O Natal chegou e eu vou comemorá-lo. Mas este ano quero fazer um Natal diferente. Não quero ver aqueles pinheiros de plástico verde desbotado com aquela neve de algodão hidrófilo que só fazem me lembrar as feridas da infância. Não quero ver o gordo barbudo suando dentro de um macacão de veludo vermelho, com temperatura interna de quarenta e oito graus. Não quero comer peru assado com ameixas (ameixas!) e tâmaras, estas, vindas de outros desertos que não a caatinga. Não quero ouvir gingosbels ...gingosbels ...Quero ouvir “A manteiga derramou”, ao som de berimbaus e atabaques.
Este ano vou mudar as cores do meu Natal: no lugar do verde necrófilo do falso pinheiro, colocarei o verde do mar do Cabo de Santo Agostinho; no lugar do vermelho veludo, o vermelho do pôr de sol do Rio São Francisco e no lugar da alvura das neves eternas, pois que não se dissolvem nem a quarenta graus, o prateado reflexo da lua no Cais do Apolo.
E vou fazer o meu bolo de Natal com massa puba, uma receita que o Severino Mandacaru trouxe lá da caatinga do Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco, onde tem sua plantação de macaxeira. É uma joia da “pâtisserie nordestine” e eu quero dividi-la com você. Prepare-se para trabalhar. Sua auto estima será outra quando você servir o bolo aos seus amigos e disser: “Fui eu que fiz. Aqui no sul você não vai encontrar isto em lugar nenhum”.
A massa puba
Primeiro você precisa fazer a massa puba. Puba é o nome que se dá à macaxeira fermentada. Os índios obtinham essa fermentação colocando a macaxeira no remanso do rio. Não desanime. Ela não dá trabalho. Só requer paciência.
Escolha três quilos e meio de macaxeira fresca. Descasque-a e lave-a bem. Coloque-a em um balde e cubra-a de agua, deixando pelo menos um palmo acima do nível da macaxeira. Cubra o balde com um pano e amarre-o para que não saia do lugar.
Não agite a agua nem movimente o balde, o que poderia interromper a fermentação. Em sete ou oito dias sua fermentação estará completa. A raiz estará mole e você sentirá um suave odor ácido resultante da fermentação.
Retire a macaxeira e lave-a bem, descartando o caldo da fermentação.
Rale a macaxeira e esprema o líquido em excesso. Você obterá de dois a dois quilos e meio de massa, suficiente para dois bolos. Separe a que vai usar e faça bolas com o restante, envolvendo-as em filme de plástico. Você pode guardar essa massa por uma semana na geladeira ou seis meses no freezer.
O Bolo
1 quilo de massa puba
300 gramas de açúcar mascavo
200 gramas de castanha de caju picadas
60 gramas de manteiga
150 ml de chá de erva doce bem forte
50 ml de chá de cravo
400 ml de leite de coco
10 gramas de sal
1 colher de chá de canela em pó
2 ovos mais uma gema
2 colheres de sobremesa de sementes de erva doce
q.b castanhas de caju inteiras para a cobertura
Passe a massa por uma peneira. Ela deve permanecer úmida e bem solta.
Prepare os chás de cravo e erva doce, e deixe esfriar.
Incorpore o sal, a canela em pó, a manteiga (previamente derretida) , a castanha de caju e a semente de erva doce à massa e homogeneíze o melhor que puder.
Em uma batedeira coloque os ovos com o açúcar e bata em velocidade media por aproximadamente seis minutos ou até ficar uma mistura bem cremosa.
Junte o creme à massa e adicione o leite de coco. Vá acrescentando os chás empastando até o conjunto ficar uniforme. Se preferir, coloque tudo na batedeira e bata dois a três minutos na velocidade baixa.
Coloque numa forma untada e enfarinhada, espete as castanhas inteiras e asse durante 50 minutos em forno médio.
Nota: Esta receita é uma adaptação do famoso “pé de moleque” que se faz no Nordeste que, apesar do nome, nada tem a ver com a mistura de amendoim e açúcar caramelado que se usa no sul.