27 maio 2021

O Bolodório

O Bolodório 

O Bolodório

 

Companheiro inseparável da verborragia é o bolodório. Mais ameno do que aquela este, ainda assim, enrosca-se em nossas mentes num palavreado redundante, repetitivo e enfadonho. Basta observar nos noticiários da imprensa, falada ou escrita, como discutem políticos e comentadores, repetindo chavões e conceitos gastos e tautológicos. Sem falar na linguagem chula e ofensiva quando discutem entre si.

Eu mesmo tenho procurado me policiar quando me vejo cacarejando numa roda de amigos, ou martelando bravatas que o destino me levou a gravar em papel. Por falar nisso, o livro está se difundindo, o que me deixa muito feliz. Acabo de encontrar um, em um Sebo de São Paulo. Comprei-o e o estou relendo como se novo fosse, anotando as verborragias e bolodórios com que castiguei meus incautos leitores. O que me faz lembrar do meu amigo Cândido Albino das Neves, aquele brancola fogoió,  perdido em Cabaceiras, na austera Paraíba.

Cansado da mesmice a que estava condenado, Cândido resolveu dar no pé. Em sua anástase, ressurgiu com alma nova. Mais puro, mais indulgente, mais humano. Antropomórfico, viu-se representado por um deus de oito braços abarcando um globo terrestre bífido que ele tentava manter unido. A seus pés uma cártula indicava o seu destino. Sua dromomania faria o resto. Temia ser considerado capto da mente e, antes que isso se confirmasse, mandar-se-ia para outros mundos. Novas terras, nova gente, novos ares. Novas cores, novos sons, novos sabores, novos amores.

Sua heterotopia deu-lhe fama. Fama e tédio. Não suportando mais a monotonia em que se metera, ouvindo bolodórios daqueles piriricas o tempo todo, excogitou sair-se da enrascadela e demandar por novos ares. Deixaria seus alunos com o assistente, aquele samango lutulento e mendaz que não fazia outra coisa senão preparar pernadas para tomar-lhe o lugar. Pois agora o teria.

Palavras, para que vos quero ?  Para ter uma verborreia ?  Para clamar aos quatro ventos ?  Será que com elas consigo fazer rir ? Fazer chorar ?  Saberei aproveitar as que me vieram nos sonhos como no caso de “A Pena da Morte”, quando vaguei a esmo, sem saber onde pousar o corpo nem o espírito:

“A pena desenhava no ar letras malfeitas

Que eu arrumava sem zelo, em linhas tortas

Para que fossem consideradas letras mortas

E assim passou-se o tempo

Minha alma levitava em desatino

Recusando-se a cumprir o seu destino:

Mergulhar no espaço sideral que eterno dura

Onde pudesse iniciar vida mais pura”


Palavras, palavreado, palavrório, tagarelice, algaravia,  cantilena, bolodório ...

Agora chega. Vou cuidar das minhas tapiocas.

 

10 maio 2021

A Verborragia de todos nós

A Verborragia de todos nós 

“ Verborragia é sangria desatada “.

 Pelo menos era isso que dava a entender o Severino Mandacaru quando era instado a cumprir alguma tarefa com rapidez. Ele dizia:  “ Danou-se, pra que essa sangria desatada ? ”

 “ Vou explicar, Severino. Mas antes, me diga uma coisa: como vai o teu confinamento ? ”

“ Entre quatro paredes, como todo mundo “.

 Pois é.  A Pandemonia nos apanhou a todos, sem acento nem endereço e já lá se vão um ano e dois meses. Desmantelou tudo. A economia, o convívio social, o relacionamento entre amigos. e, suprema desgraça, os laços entre pessoas de uma mesma família. Os políticos ficaram mais políticos. Os corruptos ficaram mais corruptos. Os governantes governam menos e alguns até se transformaram em mercadores da governança. Vejam bem : eu disse “alguns”, o que significa que “não são todos” . Se são muitos ou poucos eu não sei.

 Perguntei ao Severino como andava o seu confinamento justamente porque cheguei à constatação de que a privação do convívio social durante tanto tempo levou as pessoas, todas as pessoas pandemonizadas, a uma loquacidade incontrolável, disputando a primazia da palavra, despejando discursos vazios e repetitivos, muitas vezes defendendo teses contraditórias, convencidas de que estão agindo por inspiração divina. Como o encontro pessoal não é possível, utilizam-se os WhatsApp da vida e o telefone celular. É difícil e penoso ouvir o seu interlocutor sem poder interrompê-lo nem que seja para felicitá-lo pelas suas ideias. Mas devo fazê-lo pois preciso passar por essa catarse para completar o que me resta nesta vida provecta alegre e feliz que minha família está me proporcionando, ao lado da minha esposa.

Pequenos conflitos são inevitáveis mas a discussão honesta e civilizada, ao lado do respeito pelas ideias alheias, acaba restabelecendo a harmonia.

 Por força do meu trabalho desenvolvi a fama de mandão. Fui mandão sim, nas fabricas em que trabalhei. Passei uma vida dando ordens em fábricas onde prevalece a responsabilidade pelas ordens emanadas e onde o menor vacilo pode resultar em grandes prejuízos. Mas, na família, também há situações em que você precisa tomar atitudes severas para manter o barco flutuando, levando-o até o porto.

Resta-me o consolo de que, durante a minha carreira, recebi inúmeras manifestações de apoio.