22 dezembro 2022

Vou me Renovar

 Vou me renovar

 

Renovar pra que ?

Pra que tudo fique como está. Lembra-se do Giuseppe Tomasi di Lampedusa ? Aquele que escreveu “Il Gattopardo” , onde descreve a decadência da aristocracia siciliana durante o Rissorgimento. Pois foi ele quem disse:

“É preciso mudar pra que tudo fique como está.”

Pra começar, vou simplificar minha vida. A partir de hoje não leio mais tratados, ensaios, teses, contratos e distratos, fatos ou boatos. Vou me dedicar aos Livros de Auto Ajuda, principalmente àqueles que ajudam mais os seus próprios autores. Descobri joias raras entre eles. Aprendi a controlar raivas, ressentimentos, ansiedades, tédios, o diabo a quatro.

Para começar vou cantar o meu mantra . . . OOMM . . . gritando o mais alto possível. Sempre tive vergonha, por causa dos vizinhos mas agora que fiquei ruim das oiças, pouco estou ligando.

Oxente ! “ruim das oiças” ?  Você é de Araripina ? Só pode ser. Ruim que só farinha de Araripina ! Só podia ser. Mas deixa pra lá, seu bixiguento fogoió. Vamos falar do que é serio.

Na minha ignorância do que é um sistema político, sempre achei que um país com 39 Partidos políticos era ingovernável. Mas aqui está o nosso Brasil, rico e abençoado por Deus, mas construído pelos homens.  Soube que recentemente foi escolhido um novo Presidente da República. Brigas, ofensas, xingamentos, ameaças, tudo o que é próprio do ser humano foi oferecido à plateia.

O estardalhaço se difunde. De nada serve. Se o Presidente foi eleito, cabe ao cidadão obedecê-lo. E agora peço licença. Vou voltar às minhas tapiocas e ainda não ralei o coco.

“Tô defumando a minha banda oh squibandê, tô defumando a minha banda oh squibanda. Cherô squibanda Luanda.”

 

 

  

 

 

 

29 outubro 2022

Atenção Respeitável Público

 Atenção Respeitável Público !

 Vai começar o espetáculo !  Venham todos assistir ! . . .

 . . . “Telepatia e transmissão do pensamento executadas por um jacaré. Não é truque nem mistificação. É a ciência ao lado do reino animal.”

 Este era o pregão de um camelô que eu ouvia numa praça qualquer da Tijuca, no meu velho Rio de Janeiro quando eu trabalhava na ISEO Alimentos, a casa comercial de saudosa memória e morava no Solar do Cosme Velho, a poucos metros da casa de Machado de Assis.

 Terminado o seu pregão, o camelô passava a executar truques de mágica e prestidigitação, deixando seus assistentes encantados com sua habilidade. Só então começava a vender seus produtos. Uma meizinha para dor de barriga, para espinhela caída, cura tudo, inchaço e dor no fígado . . . um aqui pra mocinha . . . um pro distinto cavalheiro, já vou aí minha senhora . . . calma gente, tem pra todo o mundo !

E assim passava o tempo. Eu o contemplava deslumbrado. Tamanha eficiência eu jamais havia encontrado. Esse era um verdadeiro leitor da alma humana.

E agora estou aqui, nas fraldas do Vale do Cônego com seu ar de Primavera e neblina baixa, o Chapéu da Bruxa despontando ao longe como um fantasma furtivo. Estou só. Onde está a humanidade?  Onde está a sociedade?  De onde vêm a solidão, a mágoa, a ansiedade, o medo, os fantasmas? Certamente a idade vetusta me acompanha. Mas, por que o sofrimento? Tenho evitado a televisão até porque, como já disse alhures o amigo Carlinhos Marx, “A Televisão é o Ópio do Povo”, afirmação que causou polêmica. Houve até quem jurou que, naquela época, a televisão nem havia sido inventada.


 

 

25 setembro 2022

Você está rindo de mim?

 Você está rindo de mim?

 

Pode rir. Eu também rio. Mas não rio de você. Eu rio de mim mesmo. Se queremos viver com bom humor temos que aprender a rir de nós mesmos. Os ingleses ficaram mestres nisso. Lembre-se do “ sense of humor ” dos britânicos. Disso dei provas, poucas linhas atrás, quando escrevi o meu epitáfio : “ Aqui jaz o bobão  que um dia . . . e bobão ele era. Porque morto já estava e não sabia “

 

E as piadas? Foram feitas para rir. Eu comecei a decorar piadas e não me faltaram amigos para alimentar-me de material. Desde as mais inocentes até as cabeludas.  Sobre carecas.

Para começar procurei a mais curta que eu conhecia.

 

- Você conhece a piada do pinto russo ?

- Pioff . . . Pioff . . . Pioff . . .

 

A próxima, mais curta:

No pátio de recreio de um asilo de loucos.

- Quem és tu, meu filho ?

- Napoleão.

- Quem ?

- Napoleão Bonaparte.

- Quem te disse isso ?

- Jesus Cristo.

- Eu ??? !

 

Eu ria muito. O tempo todo. E isso não ficou impune pois me levou a cometer gafes. Numa delas eu chorei. Quando eu frequentava as aulas na Oficina da Crônica, do Felipe Pena, ainda no Rio, tinha uma colega muito inteligente e que escrevia muito bem. Nós nos reuníamos para criticar o que escrevíamos. Um dia ela me disse: “Gostei muito da sua última crônica. Tem um ar assim . . . de Gabriel Garcia Marques.”  Senti-me lisonjeado e pensei logo em dizer algo que me mostrasse minimamente competente para conversar com ela. Em uma palavra, resolvi mostrar erudição.  E mandei:

“Ohh! sim, Gabriel Garcia Marques, prêmio Nobel de literatura, escreveu Cem Anos de Solidão, amigo do Presidente da Colômbia

Belisario Betancur, que aliás, também era poeta mas não era um presidente poeta, era um poeta que havia se tornado Presidente e que, quando criança, menino traquinas que era, em uma sala de aula, enquanto esperavam e chegada do professor, foi ao quadro negro e escreveu:”

 

“Senhor, Senhor te rogamos

Y rogaremos sin fin

Que mandes rayos de mierda

En el Professor de latin””

 

Foi expulso da Escola e  eu,  . . . blablabla . . . blablabla . . .  eu não parava . . .     

Olhei para a minha colega para ver o efeito de tamanha erudição. Ela estava muda e olhava o infinito.

“Meu pai era Professor de Latim.”

E eu tive vontade de me jogar pela janela.

 

Não me lembro quanto tempo ruminei a minha dor e a vergonha que passei até que voltasse a rir. Creio que o confinamento doméstico, determinado por essa Pandemônia aviltante, escondido atrás de uma máscara, me ajudou a encarar o olhar das pessoas.

Pois voltemos aos nossos risos e vamos falar sério já que agora chegou o Dr. Daniel Martins de Barros, Psiquiatra, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em página inteira de um jornal local, nos diz o seguinte :

 

“O RISO NÃO É UMA PÍLULA MÁGICA, MAS TRAZ UM BOM ALÍVIO”

 

Numa entrevista concedida à Jornalista Constança Tatsch, o Dr. Daniel discorre amplamente sobre o tema. A primeira pergunta foi a seguinte: “O que é o riso” ? A resposta :

 

“ O riso é reflexo da história pessoal e também da humanidade, é uma forma de comunicação que a seleção natural imprimiu, um sinal de que está tudo bem. É uma expressão que ao mesmo tempo revela algo sobre nós, comunica e modula o comportamento do outro. As emoções em geral são assim, o choro também é um sinal do que você está sentindo e que interfere no comportamento do outro “

Gostou ?

E agora, você ainda está rindo de mim? Ria, ria muito.  Vamos rir juntos. Vamos criar uma sinergia tão grande que nos fará mergulhar no espaço sideral, que eterno dura, onde iremos  encontrar vida mais pura.

 O que?  Você está rindo disto? Ria à vontade. Estou só ouvindo.

 

 

 

17 agosto 2022

Tão longe, de mim distante

Tão longe, de mim distante

Onde irá, onde irá teu pensamento?

Tão longe, de mim distante

Onde irá, onde irá teu pensamento

Quisera saber agora

Quisera saber agora

Se esqueceste, se esqueceste

Se esqueceste o juramento.

Quem sabe se és constante

Se ‘inda é meu teu pensamento

Minh’ alma toda devora

Da saudade, da saudade, agro tormento.

Esta é a canção “Quem sabe”, com música  de Carlos Gomes e letra de Francisco Leite. Transcrevo apenas alguns versos. O que quero é destacar o último verso:

Da saudade, da saudade,  agro tormento”

O agro tormento que segue a voz dos ventos!

A saudade que nos devora a alma. Que nos aflige, nos atormenta, nos persegue ao longo do tempo e se agiganta à medida que envelhecemos.

Saudades do que? Do que fizemos? 

Saudade dos nossos amigos, que foram abandonados na voracidade

desta Pandemonia sem acento nem endereço, que nos emparedou a

 todos num confinamento iníquo e aviltante ? Saudades do tempo de

criança, do menino de sete anos que construiu sua própria caixa de

engraxate e foi em busca de clientes ? Saudades do adolescente que

fazia um curso de mecânica e nas férias escolares procurava emprego

nas oficinas do bairro ? E todo o resto ? O trabalho fora de casa,

longe da família, nos quatro cantos do mundo, Argentina, Chile,

México, Itália, Alemanha, Inglaterra, Áustria, Japão, Tailândia,

Indonésia, Japão, Filipinas, Singapura ?

Não, não posso concordar com isso. A saudade não me devora a

alma, não me aflige, não me atormenta. Antes, me orgulha e me

envaidece. E não me deixa triste. Ao contrário, me deixa alegre.

Porque triste é não ter alguém de quem sentir saudades.

E, já que fiz as pazes com os meus sentimentos, vou falar das coisas

 que eu quero contar:

Quero contar os amores que vivi e os amores que perdi. Quero contar as dores que sofri e os males que causei.

Quero falar dos vales e cordilheiras por onde andei. Quero falar dos lagos e montanhas onde nasci.

Quero falar das árvores que plantei, dos filhos que criei e dos livros que não escrevi.

Quero contar as desventuras por que passei nos mares que singrei e nos ares que cruzei.

Quero contar como é dura a vida na caatinga, a pele calcinada pelo sol, o olhar de angústia na criança faminta, o riso amargo saindo das rugas do velho desamparado.

Quero contar o pôr de sol no Rio São Francisco, o brilho da lua cheia no Capibaribe e o azul cristalino do mar além dos arrecifes.

Quero falar dos vinhos que bebi e da sede que sofri.

Quero contar como ressoa o apito da fábrica, como estala a batida intermitente dos teares e como ecoa a voz alegre das tecelãs.

Quero contar como vivem as almas penadas dos insetos assassinados nos campos da lavoura.

Quero contar fábulas. Para dizer cobras e lagartos, engolir sapos, desvendar o segredo da aranha negra, cantar como a cigarra, ser astuto com a raposa, ágil e faceiro como o serelepe, vaidoso como um pavão. E beber como um gambá.

 Tudo isso quero contar. E antes que os tempos acabem quero deixar pronto o meu epitáfio, moldado em barro massapé da Feira de Caruaru, que dirá:

 “Aqui jaz o bobão que sofreu a angústia de não saber contar tudo o que queria. E bobão ele era. Porque morto já estava, e não sabia”.

 

 

04 junho 2022

ONDE ESTÁ O MEU ABRAÇO ?

Venho insistindo que a Pandemonia,  sem acento nem endereço, provocou importantes alterações no comportamento humano. O confinamento das pessoas devido ao risco de contàgio por Covid, exacerbou o comportamento das pessoas não só entre amigos e conhecidos mas, também, dentro da própria família. E começaram a se agravar os sintomas de depressão, ansiedade, estresse, medo, angústia, insônia, ciúmes, sem falar na contribuição que um psicólogo poderia acrescentar a essa lista.

Encontrei, na forma de um poema, um verdadeiro hino à esperança. Foi escrito por Antonio Roberto Fernandes, um modesto poeta do interior, Ele me deu a certeza de que eu terei um motivo para acordar no dia seguinte.  

 

Mas

                                                                          Antonio Roberto Fernandes

E eu que achei que a lua não brilhasse

sobre os mortos no campo da guerrilha,

sobre a relva que encobre a armadilh

ou sobre o esconderijo da quadrilha,

Mas brilha.

 

E achei que nenhum pássaro cantasse

se um lavrador não mais colhe o que planta,

se uma família vai dormir sem janta

com um soluço preso na garganta.

Mas canta.

 

Também pensei que a chuva não regasse

folha cujo leite queima e cega

a carnívora flor que o cego inseto pega

ou o espinho oculto na macega,

Mas rega.

 

Pensei também que o orvalho não beijasse

a venenosa cobra que rasteja

no silêncio da noite sertaneja

sobre a ruína de esquecida igreja,

Mas beija.

 

 Imaginei que a água não lavasse

 o chicote que em sangue se deprava

 quando, de forma monstruosa e brava,

 abre trilhas de dor na carne escrava

 Mas lava.

 

 Apostei que nenhuma borboleta

 ­por ser um vivo exemplo de esperança

dançaria contente, leve e mansa

sobre o túmulo em flor de uma criança,

Mas dança.

 

 Por isso achei que eu não mais fizesse

 poema algum após tanto embaraço,

 tanta decepção, tanto cansaço

 e tanta espera, em vão, por teu abraço,

 Mas faço.

 

 

 

 

28 maio 2022

OBRAS PRIMAS DA LITERATURA

 

 

Ou....Você já fez sua atualização hoje ?

 Diariamente, sou incentivado a atualizar minhas conexões com tudo o que existe neste mundo. Dos apps do Play Store, com sua infinidade de lojas comerciais até os sites de bancos, saúde, bibliotecas, compras, clima, comer e beber, entretenimento. . . a gota serena. Se queremos continuar existindo, temos que efetuar todas as atualizações, sem dúvida.  Portanto, a primeira coisa a fazer é atualizar a mim mesmo, do contrário, como poderia eu atualizar as outras coisas ?

E aí, modéstia à parte, devo dizer que isto eu já fiz. Lembram-se de quando eu escrevi, isso já faz muito tempo, que eu havia achado entre as ferramentas da roça um pacotinho de semente de rúcula, vencida há mais dois anos. Mesmo assim eu a plantei. E ela germinou. Porque eu ignorei sua data de vencimento. Nós também nascemos com uma data de vencimento. Eu ignorei minha data de vencimento. E me atualizei.

 Agora me encontro diante do vasto e complexo mundo da tecnologia que se atualiza vorazmente, atropelando os incautos seguidores que atingiram a idade provecta. Vejam, por exemplo, as redes sociais. A ramificação interminável dos seus tentáculos, com gugols, feicebuques, tuites, plataformas, alçapões, gaiolas, arapucas e o que mais se chamem, com seu universo de informações: painéis de publicidade, palestras educativas,  admoestações, piadas, filminhos, musiquinhas. Tudo ali, de graça, ao alcance dos dedos.

 Que inveja dos não provectos. Que inveja da juventude sadia e prodigiosa que, usando um aparelho inicialmente inventado para falar, agora pode consultar quem foi o poeta que escreveu “Visita à casa paterna”, quem foi Napoleão Bonaparte ou quando começou a Segunda Guerra Mundial.

E eu aqui com minha Enciclopédia Barsa tentando descobrir como faço o gambito de dama no meu tabuleiro de xadrez.

Bem lembrado! O jogo de xadrez! Você conhece alguém que joga xadrez? Acho pouco provável. Perguntei a um garotão o que era xadrez, e ele respondeu: É uma espécie de xilindró?

Os jogos de salão agora são todos digitais. Com uma metralhadora você destrói um inimigo imaginário, com uma espada decepa dez cabeças simultaneamente e com dois dragões horrendos soltando fogo pelas ventas você provoca o riso em crianças que outrora fugiriam de medo.

 O tempora! o mores !,” dizia Cicero, o Romano.

 -- Mas, afinal, onde estão as Obras Primas da Literatura ?

 -- Eitcha, eu já ia me esquecendo. Isso é uma crônica fake que eu ia escrever. Mas não se preocupem, não vou falar de política, não vou acusar ninguém nem difamar autoridades constituídas, coisas que se encontram nos jornais de hoje.  Vou apenas contar o que aprendi quando, ainda jovem, conheci o Giovanni Papini, de quem logo fiquei amigo. Ele era um escritor meio tan . . . tan, mas escrevia diabruras sensatas. Publicou um livro chamado simplesmente “GOG”, nome do personagem que atua como narrador ao longo do livro. Um dia o Giovanni me perguntou :

 -- De tudo o que você já leu, o que é que você consideraria uma obra prima?

 -- Não tenho a menor ideia. Já li um pouco de tudo, desde livros técnicos, religião, filosofia, todas as peças teatrais de Luigi Pirandello, Eugene O’Neil, Ariano Suassuna . . 

-- Pois eu vou lhe dizer: Escolhi 10 peças da literatura mundial que atendem a esse requisito. E consultei um crítico literário, que confirmou a minha escolha. Defini cada uma delas em duas ou três linhas. Cabe a você identificar o autor.

 1º “A viajem de um vivo na fossa dos mortos com o fim de falar mal dos mortos e dos vivos”.

2º “Um doido tísico e um doido gordo que vão mundo afora em busca de sovas.”

3º “Um pulha cujo pai foi assassinado e que, para vingá-lo, faz morrer a rapariga que o ama e outros diversos personagens.”

4º “Um diabo coxo que levanta os telhados de todas as casas para exibir as suas vergonhas”

5º “As aventuras de um homem de estatura média que se faz gigante entre os pigmeus e anão entre os gigantes sempre de modo inoportuno e ridículo.”

6º “A história ridícula de uma adúltera provinciana que se entedia e, por fim, se envenena.”

7º “Um rapaz pobre e febril que assassina uma velha e que depois, imbecil, não sabe aproveitar-se da coartada e acaba por cair nas mãos da polícia.”

8º “As sortidas loquazes e incompreensíveis de um profeta acompanhado de uma águia e de uma serpente.”

9º “As peripécias de um professor demoníaco servido por um demônio profissional.”

10º “A odisseia de um idiota que através de bufas desventuras sustenta que este mundo é o melhor dos mundos possíveis.”

__________________________

 Bem, vocês ouviram, né? Cabe a vocês identificarem o autor.   

 

 

    

18 maio 2022

 

“Faz escuro, mas eu canto”

 Esse é o título do poema de Thiago de Mello. “Porque a manhã vai chegar. Vem ver comigo, companheiro, a cor do mundo mudar, . .    Já é madrugada, vem o sol, quero alegria . . Vamos juntos, multidão,trabalhar pela alegria, amanhã é um novo dia.”

Lembrei-me hoje, quando acordei, do Thiago de Mello. Estávamos no Chile. Era o ano de 1965. Ele havia sido preso. Os tempos estavam escuros. Mas ele cantava e declamava. Eu havia recebido um convite para trabalhar num projeto têxtil das Nações Unidas e me mandara para o Chile. De um modo ou de outro, éramos todos exilados. As coisas no Brasil estavam medonhas. O medo morava em cada esquina. Bastava que alguém lhe apontasse o dedo: “Ele é um subversivo” e você desapareceria, nas masmorras ou no campo santo. Perdi amigos. Muitos foram torturados. Alguns perderam o juízo. Outros se acomodaram.

Aí chegou 1968, com seu fatídico AI 5. Em outubro voltei para o Brasil. Com a cabeça cheia de teares e filatórios, e tremonhas, nem me dei conta do que isso significava. E os tempos ficaram ainda mais escuros.

Passaram-se os anos. Muitos anos. Exatamente 57 anos. Trabalhei muito e não me arrependo de nada do que fiz. Vivi no Nordeste boa parte da minha vida, constitui família, viajei o Brasil inteiro a trabalho. Fui adviser da Unido – Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – com missões no Chile, Mexico, El Salvador, Colômbia, Japão, Tailândia, Indonésia, Filipinas e Singapura.

Nos últimos anos, fixei residência no bucólico bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro. E aí chegou a Pandemia. E os tempos ficaram novamente escuros. Muito escuros. Confinados, eu e minha esposa, no bucólico apartamento, descobrimos que a vida se transformaria em um cárcere privado. E procuramos um asilo para anciãos, instalado em um antigo hotel comercial, no bairro da Glória, que denominei logo, quem me dera, Motel dos Anciãos. Ali nos hospedamos, a título de experiência, 3 fins de semana. Foi muito divertido. Eu comecei a contar histórias aos hóspedes, que eu chamava de “meus pacientes”, os quais riam muito. Às vezes choravam.

Foi uma experiência. Logo percebemos que a convivência com as mazelas dos hôspedes (cadeira de rodas, alzheimer, enfermeira acompanhante, confusão mental, e outras quizilas) nos levariam a um estresse que redundaria em uma depressão incontrolável. E seria o caminho mais curto para subir a Montanha de Narayama.

Foi quando nosso filho nos convidou para ficar uma semana em sua casa, nas montanhas. Aceitamos.

- Vamos dar uma volta. Parou defronte de um pequeno chalé.

- Gostaram ?

- Adoramos.

Então esta é a vossa casa.

 E aqui estamos, com pandemia e tudo. E os tempos ficaram mais escuros. Tão escuros que desofuscaram os mais escuros. Quando contemplo o panorama politico do país, com seus 39 partidos políticos – o que torna qualquer país ingovernável – os conflitos entre os poderes, com  um Congresso de tamanho diluviano, com políticos, muitos deles de idoneidade duvidosa, me  pergunto : para onde estamos indo ?

Agora fala-se em “golpe de estado”, que comprometeria o próprio Presidente da República. Isso me leva ao ano de 1965 acima abordado. Hoje se sabe que o golpe de estado naquela época foi longamente estudado e avaliado entre os militares antes de ser aplicado, em Março de 1964. Outro fator a ser levado em conta é que a ditadura sofreu um confrontamento em forma de guerrilha, com sequestros, saques, assaltos, incêndios e outras coisas.

Isto tudo é para dizer que os militares de então não são os mesmos de agora. As pessoas mudam. As escolas mudam, os métodos mudam, os conceitos mudam. Nos debates sobre política as Forças Armadas já se manifestaram sobre a sua posição de respeito à Constituição.

E aqui caímos novamente no ponto de partida: a disputa entre os Poderes. Não sei para onde vamos.

 Sarava, meu Pai. “Faz escuro mas eu canto”.

 

 

19 janeiro 2022

O Papel nosso de cada dia

 


NOTA :  No dia 13 de Janeiro de 2012, portanto há exatamente dez anos, escrevi a crônica que abaixo transcrevo. E fi-lo, não porque me faltasse assunto pois assuntos jorram em catadupa sob a verborreia a que estamos expostos nestes tempos de Pandemonia sem acento nem endereço. Fi-lo, repito, pela atualidade que o tema apresenta nos dias de hoje. Esta crônica não chegou a ser publicada. Ficou mofumbada nos entulhos que circundavam os meus oitenta anos.

Acabo de receber um livro que comprei num sebo da Rua São José, centro do Rio. Foi editado em 1930. Comprei-o porque eu o havia lido aos 13 anos de idade e nunca mais o vi. O papel é áspero e está amarelado pelo tempo, cheio de manchas escuras causadas, provavelmente, pela acidez do papel e a umidade dos tempos. Era “Os Sertões” de Euclides Da Cunha. O volume original, agora perdido, me fora entregue por meu pai com a seguinte frase: “Se você quiser conhecer o Brasil leia este livro”.

Tenho também, devo confessar, uma edição da Divina Comedia, De Dante Alighieri, publicada de 1811. O papel é surpreendente alvo e mostra as ondulações dos cilindros de antimônio que prensavam a pasta de celulose, tecnologia que se usava na época.

A cada dia, livros e mais livros são publicados em telas de computador. Há quem diga que os livros de papel estão com os dias contados. Outros garantem que não. Não vou meter-me a discutir as vantagens ou defeitos de um e de outro, pois me falta preparo para tanto. Umberto Eco, o grande filólogo, fez isso de maneira magistral em duas obras: “A memória vegetal” e “Não contem com o fim do livro”. No primeiro, ele explica como a humanidade registrou suas memórias desde o tempo do papiro e analisa a efemeridade do papel como meio para preservar a informação. No segundo, escrito em parceria com Jean-Claude Carrière, escritor e roteirista de cinema, ele discute os méritos do livro de papel em confronto com os meios eletrônicos para a divulgação de textos. O resultado desse debate está contido no próprio título do livro.

 Mas eu não vim aqui para chorar a morte do livro de papel, assunto que deixo para os filólogos. Eu vim chorar a morte do papel como papel. Porque o papel está sendo substituído. Na correspondência trocada entre os literatos de um tempo se produziram notáveis obras literárias que chegavam aos seus destinatários numa folha de papel muitas vezes borrada por uma lagrima furtiva que rolava pela face da mulher amada, do amigo distante, do avô esquecido. Angústias, medos, esperanças, sonhos alegrias e tristezas, dificilmente poderão ser transmitidas por essas placas de vidro que são as telas de computador.

 Nas atividades quotidianas avisos, boletins, editais, manifestos, concorrências públicas, propostas comerciais, teses de doutorado e até notas fiscais não são mais feitas em papel. Qualquer documento hoje pode ser emitido por via digital e ficará gravado no seu celular. Não saia de casa sem ele. E se você for velhinho trate de arranjar um netinho que disponha de tempo. Do contrário você deixa de existir, antes mesmo de subir a Montanha de Narayama.

 As cômodas e higiênicas bolsas de papel nas quais se colocavam as compras do supermercado foram substituídas por sacolas de plástico. O dinheiro, que se chamava papel moeda, não é mais de papel. Foi substituído por um cartão de plástico ou por números armazenados num servidor eletrônico. Nada contra. Mas essas sacolas de plástico, por mais que queiram transformá-las em degradáveis, continuam entupindo rios e cloacas. Não quero me alongar na busca de exemplos para a substituição do papel, pois sei que isso não passa de saudosismo. O que faríamos hoje sem o plástico ?

 O que eu quero ver é como vão substituir o papel higiênico !

 Ledo engano.  Isso foi em 2012! Numa das viagens que fiz ao Japão encontrei, no hotel, um vaso sanitário com um chuveirinho escamoteado nas entranhas do mesmo que além de higienizar as partes  pudendas,  proporciona uma cosquinha no fi-o-fó do incauto hóspede.

 Mas tem que enxugar com papel !