Em sua anástase, ressurgiu com alma nova. Mais puro, mais indulgente, mais humano. Antropomórfico, viu-se representado como um deus de oito braços abarcando um globo terrestre bífido que ele tentava manter unido. A seus pés, uma cártula indicava o seu destino. Sua dromofobia faria o resto. Temia ser considerado capto de mente e, antes que isso se confirmasse, mandar-se-ia para outros mundos. Novas terras, nova gente, novos ares. Novos sons, novos sabores, novos amores.
José Cândido Albino das Neves nunca se perdoou por ter nascido em Cabaceiras, aquele município perdido no semiárido paraibano. Não porque a cor da sua pele, escancaradamente denunciada pelo seu nome, contrastasse com o tom chocolate do resto da população, conseqüência provável de algum holandês errante, perdido por aquelas bandas, mas porque não se conformava com o fato de que Cabaceiras, além da ridícula taxa de produtividade alcançada no cultivo da macaxeira, ostentava o recorde de menor índice pluviométrico do país. O que, segundo ele, não era verdade. Aquele estigma o indignava, e atribuía o fato ao erro cometido por um funcionário do IBGE, o qual, não acreditando no que via, inverteu os dígitos apresentados pelo pluviômetro no mesmo ano de sua instalação. A partir daí, conta a lenda, a engenhoca foi escalpelada pelos funcionários locais e o IBGE, - oh! têmpora, oh! mores, - passou a repetir o mesmo resultado ad perpetuam.
Cândido deixou sua terra natal em busca de um caldo cultural mais denso.
No Recife, passou noites sentado na balaustrada da Ponte Buarque de Macedo dissecando ossos imaginários de Augusto dos Anjos: “Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Também das diatmáceas da lagoa ...”
A biblioteca da Universidade Federal de Pernambuco foi o seu cadinho de relíquias bibliográficas. Escritores coevos não lhe interessavam. Só demiurgos, e demiurgos não se fazem mais em nossos dias. No colofão de um tratado de semiologia encontrou o caminho para outras obras que o cativariam no estudo dessa ciência. Dedicou-se com afinco e tornou-se professor na matéria, notabilizando-se por afabular os eventos dos quais participava e encantar seus alunos com hipotiposes.
Sua heterotopia deu-lhe fama. Fama e tédio. Não suportando mais a monotonia em que se metera, ouvindo bolodórios daqueles piriricas o tempo todo, excogitou sair-se da enrascadela e demandar por novos ares. Deixaria os alunos com seu assistente, aquele samango lutulento e mendaz que não fazia outra coisa senão preparar pernadas para tomar-lhe o lugar. Pois agora o teria.
Zé Cândido sairia dali. Tornar-se-ia um paguro e usufruiria de todos os benefícios que a nova vida lhe proporcionaria. Esta parataxia o libertaria dos grilhões que ele mesmo se impusera. A palingenesia faria o resto. Partiria em busca do amor. Do amor! Aleluia! Aleluia!
Procuraria o amor, onde quer que ele estivesse. Nos cabarés da Lapa, nos inferninhos do Leme, nas fraldas do Mangue do Rio de Janeiro, fosse onde fosse.
Vestiu seu melhor terno e escolheu a melhor gravata. Dirigiu-se ao aeroporto. Tomou o primeiro avião e partiu em busca do AMOR. E foi aí que o palíndromo de seu desejo entrou em ação. Invertendo o objeto dos seus sonhos, inverteu o seu destino.
Desembarcou em ROMA. E foi pedir a benção ao Santo Padre.
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