10 abril 2015

E se não houver amanhã ?



                                                                “Pelo menos, agora, tenho um motivo
                                                       para acordar no dia seguinte,”
                                                                                                               Anne Frank


Tenho medo de acordar no dia seguinte. Leio os jornais todas as manhãs. As manchetes são desoladoras. Os editais, assustadores. Discutem temas escabrosos e revelam conflitos insuperáveis. Deixam a impressão de que o mundo se tornou ingovernável. O ser humano desandou. A corrupção ocupa a maior parte do espaço nos jornais, numa avalanche incontrolável. Espalha-se por capilaridade. Do ministro e do alto executivo chegou ao quitandeiro e ao guarda da esquina.
Seguem-se as notícias policiais, os acidentes nas estradas, incêndios, desabamentos e enchentes. Assaltos, roubos, assassinatos e balas perdidas. Conflitos entre traficantes e policiais. Pais que matam filhos e filhos que matam pais. Tudo é morte. Greves, agitações populares e invasões de terras. Os governantes não se entendem. Partidos políticos disputam o poder pelo poder. Não se nota um interesse legítimo por um mundo melhor.

Da televisão, desisti. Nos seus duzentos canais repete, à exaustão, as mesmas notícias, intercaladas por longos comerciais que glorificam o consumo exacerbado de produtos supérfluos, dispensáveis e até nocivos à saúde. Existem bons programas, sem dúvida. Mas até chegar a eles gastou-se um tempo enorme, precioso, sem falar que o expectador incauto perde-se no caminho, vítima de sua própria ingenuidade. Volto os olhos para o Exterior e o quadro é ainda mais desanimador. Guerras fratricidas, ataques terroristas, conflitos étnicos, intolerância religiosa, fanatismo político. Mortes. Tudo é morte.

Procurei uma notícia que me desse um motivo para acordar no dia seguinte.
Encontrei-a na forma de um poema, um verdadeiro hino à esperança. Foi escrito por Antonio Roberto Fernandes, um modesto poeta do interior. Ele me deu a certeza de que haverá um amanhã. É meu dever transcrevê-lo.


Mas
                                                                          Antonio Roberto Fernandes

E eu que achei que a lua não brilhasse
 sobre os mortos no campo da guerrilha,
sobre a relva que encobre a armadilha
 ou sobre o esconderijo da quadrilha,
 Mas brilha.

 E achei que nenhum pássaro cantasse
se um lavrador não mais colhe o que planta,
se uma família vai dormir sem janta
com um soluço preso na garganta.
 Mas canta.

 Também pensei que a chuva não regasse
 a folha  cujo leite queima e cega
 a carnívora flor que o cego inseto pega
 ou o espinho oculto na macega,
 Mas rega.

 Pensei também que o orvalho não beijasse
 a venenosa cobra que rasteja
 no silêncio da noite sertaneja
 sobre a ruína de esquecida igreja,
 Mas beija.

 Imaginei que a água não lavasse
 o chicote que em sangue se deprava
 quando, de forma monstruosa e brava,
 abre trilhas de dor na carne escrava
 Mas lava.

 Apostei que nenhuma borboleta
 ­por ser um vivo exemplo de esperança
dançaria contente, leve e mansa
sobre o túmulo em flor de uma criança,
Mas dança.

 Por isso achei que eu não mais fizesse
 poema algum após tanto embaraço,
 tanta decepção, tanto cansaço
 e tanta espera, em vão, por teu abraço,
 Mas faço.