29 outubro 2010

Meu Sítio, Meu Paraíso

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“A pessoa que termina de ler um  livro 
 não é a mesma que o iniciou”  
 (ouvi dizer)

Foi numa livraria de aeroporto, graças a um providencial atraso de vôo, que encontrei o livro que iria mudar minha vida. Não era um livro de autoajuda, daqueles que tentam lhe convencer que você está deprimido, que a depressão é uma doença gerada pelo estresse e que pra você não se estressar você tem que ler aquele livro direitinho até o fim e que deve ler também os anteriores, e...
que.... raios...! Ao contrário, este livro despertou em mim energias adormecidas, reconciliou-me com a humanidade, levou-me a descobrir a harmonia que existe na natureza, o equilíbrio do mundo animal em sua luta pela preservação da espécie, com sua linda cadeia alimentar e, benção do céu, o fascínio de uma noite estrelada sem a presença da luz elétrica, marca indelével da presença do homem.

Li-o de um fôlego só durante a viagem, e quando desembarquei no longínquo Manaus – eu havia embarcado no também longínquo Porto Alegre – eu já levava nos miolos o projeto do que seria a minha vida dali para a frente.
“Meu Sítio, Meu Paraíso” !  O título do livro me fascinou. O nome do autor fugiu-me da memória. Infelizmente, porque gostaria de saber o que ele anda fazendo agora. Nesse livro ele descreve como implantou seu sítio num meio inóspito, a sua luta contra todas as adversidades superando queimadas e vencendo formigas, atravessando secas e enchentes. Ele conta, com detalhes técnicos que viriam a ser de grande utilidade para mim, como efetuou o plantio de arvores, a construção de estábulos, o preparo do solo, a formação de um lago com sua cachoeirinha. Contagiou-me. A cada etapa da leitura eu vibrava e torcia por ele. O calor com que ele descreve a cena da inauguração do lago que acabara de contruir, com champanhe e tudo, ao lado dos filhos e da esposa orgulhosa, então, encheu-me de lágrimas. Eu entendia isso. Era o seu sítio. Era o seu Paraíso!

Tratei de desincumbir-me o mais rápido possível do meu trabalho em Manaus e voltei correndo, quero dizer, voando.
Eu também daria aos meus filhos, ainda pequenos, e à minha esposa, ainda orgulhosa, essa alegria. Eu daria às crianças o seu cavalinho e, à esposa, as galinhas de que precisava para fazer seus ovos a-la-cock sem hormônios nem antibióticos. E, para mim, isto sim, concederia a glória de sentar-me britanicamente no fim das tardes , à sombra de um flamboyant, com meu gin tonic na mão, acompanhado de finíssimos canapés de pepino.

Saí à procura de um terreno. Encontrei o lugar, não muito distante da cidade. A topografia era perfeita: uma grande área plana, duas colinas em forma de meia laranja, uma pequena casa de madeira e, o mais importante, um riacho suficientemente caudaloso que permitisse a formação de um lago, ponto nuclear para unir a atividade agro-pecuária ao lazer. Com ele eu irrigaria as culturas, criaria peixes e, por que não, colocaria um barquinho para divertir as crianças.

Escolhi o ponto ideal para a barragem. Feitos os cálculos encomendei os materiais. Tudo pronto para começar a obra. Contratar um pedreiro? Não é necessário, tenho energias de sobra. Basta-me um ajudante que prepare as ferragens para o concreto e o Édio, meu recém contratado e já fiel caseiro que, apesar de cego de um olho, enxerga mais do que o chefe da repartição onde trabalho.

Mãos à obra e em pouco mais de seis meses a barragem estava pronta. O lago começou a encher. Quanta alegria! Acompanhar hora a hora, dia a dia, aquele processo lento da subida das águas, torcer para que caísse muita chuva, apostar com os filhos quem acertaria o nível da água no fim de tantos ou quantos dias, pesquisar se havia algum vazamento na barragem, descobrir se alguém estava desviando água rio acima, só quem viveu isso pode entender a satisfação que estas coisas proporcionam.

Gastei um pouco mais do que havia calculado, isto é , um pouco mais do que o dobro do que havia calculado, é verdade, mas o que é isso em comparação com o privilégio de contemplar aquele espelho d’água nos fins de tarde com meu copo de gin tonic na mão? Despesas? Ora, despesas...
Era tempo de preparar o bosque e o pomar. Espécies nativas: jacarandás, ipês, sibipirunas, aroeiras. E eucaliptos, muitos eucaliptos, aquela árvore milagrosa que veio da Austrália tão distante, indispensável para fabricar o carvão do churrasco. Preparei as sementeiras para os eucaliptos, e busquei nos hortos florestais as mudas para as demais árvores e fruteiras.

Das sementes nem todas germinaram e, das mudas, várias morreram, fosse pelos traumas sofridos durante a viagem, fosse pelo tempo que tiveram de esperar até serem plantadas. Claro, tudo tem sua vez. Mas consegui aproveitar quase um terço das plantas, o que não me deixou desanimado.

Chegou a vez da criação. Primeiro as galinhas. Disso cuidou o Édio que, com seu olho clínico, - mesmo sendo um só - sabia até quais eram as galinhas que poriam ovo naquele dia. Depois vieram as abelhas e disso eu mesmo cuidei, pois não podia me arriscar a perder o caseiro. Coisa linda, as abelhas! Que exemplo de laboriosidade, com suas regras espartanas de consumo e seus padrões éticos de convívio! As muitas picadas que eu levava só faziam retemperar a minha disposição para o trabalho, ao qual eu me entregava com fúria redobrada.

Por fim vieram as cabras, introduzidas graças ao conselho de um diligente vizinho o qual me garantiu que elas manteriam o sítio roçado e assim eu economizaria na mão de obra para as capinas. Ele estava certo porque a partir dalí nunca mais vingou uma folha de grama naquela terra. As cabras roçavam também a parte inferior das fruteiras, ou seja, até onde alcançava o seu incrivelmente elástico pescoço. Não sobrava fruta. Assim, as laranjas, goiabas, carambolas e jabuticabas disponíveis passaram a ser colhidas com a ajuda de uma escada, o que aumentava ainda mais o nosso entretenimento. E eu achava engraçada a habilidade com que aquelas rústicas criaturas cuidavam do seu próprio sustento. E também pouco me incomodava se elas, com admirável virtuosismo, burlassem a cerca da horta para triturar couves e repolhos, pois isso me dava a oportunidade de estudar e desenvolver cercas cada vez mais seguras.

“Meu Sítio, Meu Paraíso”! Como eram agradáveis aquelas noites insones em que eu me debruçava sobre as plantas topográficas esquadrinhando o melhor percurso para abrir trilhas, localizar possíveis ninhos de cobras, esse ingênuo animal tão vilipendiado pelo homem, que nunca ataca ninguém a não ser que seja ameaçado ou então esteja faminto, coisa freqüente na aridez daquela terra sáfara e maninha. E a emoção que eu vivi ao lado dos meus filhos ainda pequenos e da minha esposa ainda orgulhosa, quando voltamos do sepultamento da nossa cadelinha Chispa, atacada por um enxame de abelhas africanas que famintas, coitadas, invadiram o nosso apiário, na maior pilhagem da História depois do Rapto das Sabinas. Ninguém conseguiu conter o pranto pelo resto da noite. Foi aí que eu compreendi como é frágil a alma da gente.

“Meu Sítio, Meu Paraíso” !  Lamento, mais uma vez, ter esquecido o nome do autor. Gostaria de agradecer-lhe pela felicidade que me proporcionou com a leitura do seu livro durante as quatro horas que durou aquela viagem e que gerou todos estes anos de fortes emoções. Gostaria de agradecer-lhe por tudo o que aprendi: vencer dificuldades, superar obstáculos, afastar o desânimo e tolerar a vingança da natureza quando ela é desrespeitada, como quando, por exemplo, fiquei atolado na estrada cheia de lama e insisti em atravessar assim mesmo, só porque eu tinha que voltar ao trabalho no dia seguinte, e fui obrigado a chamar dois tratores para me tirarem do atoleiro, o que, por sua vez, me custou quase o preço do carro atolado.

Bem, o tempo foi consolidando o meu amor por aquela terra que me consumia as entranhas. A certa altura as crianças começaram a mostrar enfado no seu contato com a natureza. O orgulho da esposa foi se transformando em comiseração. Eu ainda continuei com minhas tardes contemplativas à beira do lago mas fui substituindo, aos poucos, o gin importado por um gin paraguaio, depois por um whisky nacional e, finalmente, por uma caipirinha feita com a cachaça Jacutinga, a preferida de todos os caseiros que conheci na região, esta sim, pelo menos, uma bebida autêntica. Minha esposa, de tanto comer ovos a-la-cock sem hormônios nem antibióticos tomou tal enjôo por aquele alimento mágico que passou a distribuir os galináceos gratuitamente nos terreiros de candomblé.

Animado pelas caipirinhas e pelas lembranças do livro inspirador, responsável por tantas aventuras e momentos de enlevo, tomei a decisão de também escrever, não um livro, que a tanto não me arvoro, mas esta modesta crônica que, a partir de agora,  eu quero que se chame:  "Meu Sítio, Meu Prejuízo".

Luigi Spreafico

20 outubro 2010

MADONNA "RIDES AGAIN"

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“Madonna arrecadou US$ 12 bilhões no Brasil”

Chamada na 1ª página do “O Globo” de terça feira de Carnaval, 16 de Fevereiro de 2010.

Quem não se lembra de “Madonna está no Rio, Madonna Mia!”, aquela da orgia gastronômica entre sushis e sashimis? Pois é, ela voltou a atacar no Rio de Janeiro enquanto foliões desavisados se esbaldavam em suas fantasias baratas e eram encarceirados por mijarem na rua. Com uma simples casquinha daquela soma Madonna poderia ter distribuído pela cidade algumas centenas de mictórios, contratados às pressas. As “Organizações Tabajara” estão aí para isso.

A notícia interna, na página 10 do jornal, esclarece:
“ A sacolinha pop – Madonna retornou ontem aos EUA depois de arrecadar com brasileiros, de novembro para cá, exatos US$ 12 milhões para sua ONG, Sucess (sic) for Kids. Entre os doadores, estão Eike Batista, com US$ 7 milhões, o banqueiro Luís Octávio Índio da Costa e a AmBev, ambos com US$ 1 milhão.”

Epa!
Mil vezes menos! Cadê o resto?
Entre a página 1 e a página 10 do jornal sumiram, exatamente ,
US$ 11.988.000.000,00!
Esqueçamos o erro aritmético em que O Globo se meteu, que é problema dos seus revisores. A notícia prossegue com detalhes riquíssimos - pudera, com essa dinheirama toda - sobre a distribuição da farofa:
“No caso de Eike, a ONG recebeu US$ 500 mil cash. Os outros US$ 6,5 milhões vão para um fundo de saques controlados. O acordo com a AmBev tem uma cláusula negociada por Sérgio Cabral, que trouxe a cantora para o Carnaval: a ONG terá de aplicar o dinheiro no Rio.”

Arrisco-me a explicar que os 500 mil cash equivalem ao “pocket money”.que os executivos das grandes empresas recebem para gastar com “peanuts”. Quanto aos 6.5 mi sabemos que serão aplicados no Rio através de “um fundo com saques controlados”. Que os saques serão controlados não existe a menor dúvida. Nenhum caixa de banco deixa sair um tostão que não seja controlado.
Quanto ao seu destino, não é da nossa conta.

Se o dinheiro é do Eike, e ele o deu pra Madonna ou sua ONG, vá lá, ninguém tem o direito de perguntar o que fizeram com ele. Mas, então, por que o governador se meteu e obrigou a pobre Madonna a aplicá-lo no Rio? Vamos apostar onde a Madonna vai aplicar US$ 6,5 milhões no Rio?
Alguma sugestões: bolsa de valores; exploração de petróleo; produção de alface orgânica; implantação de escolas de esgrima para crianças faveladas; instalação de mictórios grátis, com ar condicionado e conexão de internet; construção de uma roda gigante, muito gigante, no topo do Pão de Açúcar para que o Rio possa ser contemplado pelas crianças pobres da costa da África, suas protegidas.
Mijões do Rio, rebelai-vos! Fazei um” up grade” na vossa transgressão para que seja realmente digna de cadeia. Além do mais li no mesmo jornal que um mijão foi humilhado porque uma moça viu o seu bilau e saiu gritando pra todo o mundo que era pequeno, no que, todos vaiaram. Isso não se faz. Já não bastava a prisão?
Como dizia minha avó: Oh! têmpora, Oh! mores.


Severino Mandacaru

19 outubro 2010

A VIDA POR DOIS VINTÉNS

A operação de resgate dos trabalhadores que ficaram soterrados numa mina do Chile está chegando ao fim, felizmente com êxito. É comovente. Trinta e três vidas estavam a 700 metros de profundidade, e o cenário montado para recebê-las na superfície da terra foi, merecidamente, proporcional. A imprensa do mundo inteiro está lá. O presidente do Chile acompanhou, dia após dia, a operação de salvamento e também está lá para receber os mineiros e parabenizar a todos: salvadores e salvados. O presidente da Bolívia também compareceu para receber o único representante do seu país naquele infausto evento. A engenhoca montada para a operação, que levou apenas (!) 68 dias para alcançar o seu objetivo, funcionou a contento, embora a roldana que guia o cabo de tração da cápsula salvadora possa causar arrepios em qualquer estudante de engenharia mecânica. Cantou-se o hino nacional à exaustão. Estão salvos! Glória a todos!

Agora eu pergunto: O que é que leva o ser humano a confinar o seu semelhante
a 700 metros de profundidade sem a menor segurança de retorno, só para extrair de lá alguns trocados ?


14 outubro 2010

Madrugada Insólita

Acordei. Eram quatro horas da manhã. Esfreguei os olhos com preguiça. Fiquei sentado na cama, de olhos fechados, e esperei até lembrar onde estava. Levantei-me, enfiei os pés nos chinelos que me acompanham há tantos anos e caminhei até a cozinha. Bebi um copo d’água. Fiz café. Sentei-me na cadeira dura enquanto aspirava o aroma suave do arábica. Fechei os olhos. Perdi a noção do tempo. Tenho que devolver um livro que me emprestaram, não posso esquecer. Preciso alisar o chão de terra onde ponho comida para os passarinhos. Está cheio de rachaduras, os grãos de alpiste afundam, e as pobres aves não conseguem alcançá-los. O bambu que cortei há meses já está seco. Tenho que prepará-lo antes que as chuvas comecem. Já é quase Outubro. Hoje vou fazer o primeiro corte na rúcula que plantei há um mês de uma semente que não poderia ter nascido. Sua validade venceu em Setembro de 2004. Mas nasceu, porque ignorei o seu prazo de validade. Eu também nasci, mas com prazo de validade não revelado. Vou fazer como fiz com a semente. Ignorar o prazo e plantar-me a cada dia. Hoje é 16 de Setembro de 2010. Oitenta anos atrás eu vi a luz pela primeira vez, à beira de um lago, no meio de uma montanha. Assim me disseram. Oitenta! Um número formado por três zeros. Um grande e dois pequeninos.

07 outubro 2010

DIEGO FUENZALIDA, Esquire


Diego Fuenzalida,  Esquire

Diego era argentino, radicado no Brasil há quatro anos. Radicado é um modo de dizer porque as raízes dele não passavam de uma nesga de musgo ao redor dos pés, o que não daria para sustentar nem um pé de salsinha. Mas ele vivia aqui e apesar desse tempo todo convivendo com os nativos, não conseguiu aprender uma só palavra de português, não se sabe se por incapacidade ou por indústria.

Diego tinha tanto medo de ser considerado descendente de italianos, como é a quarta parte da população argentina, que fez juntar ao seu nome o tratamento usado pela nobreza britânica: “Esquire”. Nobre ou não, soube-se, mais tarde que, em Buenos Aires, ele era chamado simplesmente de “El Pelotudo”.

Trabalhávamos na Fábrica Bangu, a velha e então famosa fábrica de tecidos que fazia desfiles de moda no Rio e em Paris, onde apresentava seus figurinos de puro algodão, desenhados pelos melhores estilistas , e seu organdi, único no mundo. Ser técnico da Bangu, naquela época, era quase como ser artista da Globo hoje. Era nesse ambiente refinado, cruzando com lindas modelos, que Diego desfilava seu charme, maculado, era inevitável, pelo seu afetado castelhano itálico. Por isso mesmo, e apesar do Esquire que lhe chegava em toda a correspondência, ele não escapou de ficar conhecido como “Diego Papas Fritas”.
Além dos famosos tecidos, a Bangu produzia também jogos de futebol. Tinha criado o seu próprio time, sempre na primeira divisão. Tinha, também, seu próprio estádio.

À exemplo das universidades americanas, onde seus ídolos esportivos não precisam estudar para serem promovidos de ano, a Bangu dispensava do trabalho os seus craques que, claro, constavam da folha de pagamento. E foi aí que Jorge deu sua primeira mancada ou, na sua própria língua, “metió la pata”.

Três horas depois de iniciado o turno da manhã, dois fiandeiros se apresentam com um bilhetinho na mão para que ele assinasse a permissão de saída.

-- Que? Estais borrachos, vos?
-- É que nós precisamos sair para treinar. Vai ter jogo no sábado.
-- Que? Para jugar a la pelota? Coños! Que se vuelvam a su trabajo y no me vengan mas con guevadas!”

E assim os dois foram despachados de volta ao trabalho, em nome da ordem, da disciplina, da dignidade, das boas práticas administrativas, tudo de acordo com o que o estudioso Diego havia aprendido na escola. Cinco minutos depois o telefone toca. Era o diretor.

--Escuta aqui, seu portenho maluco! Você quer acabar com a minha fábrica?

Em pleno campeonato? Solta logo esses dois e apresente-se na minha sala.

A habilidade do Diego para lidar com homens e máquinas nunca foi reconhecida na Bangu. Suas verdadeiras habilidades se revelariam pouco tempo depois; a verdadeira vocação de Diego Papas Fritas, Esquire era lidar com cifrões.

Quando resolveu visitar a família em Buenos Aires, Diego fez as contas. As passagens aéreas naquela época eram caras, se comparadas aos outros meios de transporte. Assim, descobriu que fazendo o trecho Rio – São Paulo de ônibus, ele economizaria bastante. Portanto comprou a passagem São Paulo-Buenos Aires, ida e volta. Faria o resto de ônibus, embora isto lhe custasse dois dias de tempo a mais na viagem.

A ida foi normal. Na volta, o aeroporto de São Paulo estava sem teto e o avião passou direto, aterrissando no Rio. Qualquer pessoa que estivesse no lugar do Diego teria ficado feliz; ganhara uma passagem São Paulo-Rio, além do tempo correspondente à viagem de ônibus. Mas não o Diego. Começou a esbravejar ainda dentro do avião. Quando desceu, a notícia da sua fúria já havia chegado aos comissários de terra.


-- Mijones de dólares me hacen perder estos cabrones. Yo tenía que estar em San Pablo, tengo contractos para firmar. Que voy a hacer, por Dios!

-- Senhor, por favor, acalme-se. Vamos acomodá-lo em um avião que sairá dentro de uma hora, o tempo já está melhorando.

Apanhado de surpresa, Jorge não se intimidou:

-- Como? En estas condiciones? Que chiflado, este! Estoy aturdido, completamente traumatizado, no puedo viajar en estas condiciones, ustedes no tienen alma, no, no. Me pongan en um hotel, ustedes tendran por aí un Hilton qualquiera . Que? Hotel Nuevo Mundo, no, no, estás loco, por favor, yo no soy ningun epiltrafa, y a lo demás... como? Copacabana Palace? Si, esse está bien.”

E o Diego comeu e bebeu, e deitou-se nos finos lençóis de linho do Copacabana Palace às custas da Panair do Brasil e engrossou, com suas mijadas, o fluxo da cloaca massima do Rio de janeiro.

Quando Diego me contou essa história eu imaginei que, nesse ponto, ele se considerasse realizado e feliz. Nem a mente mais engenhosa conseguiria encontrar uma forma de extrair mais leite daquela pedra. Eu ainda não o conhecia. Na manhã seguinte, Diego Papas Fritas, Esquire, apresenta-se no balcão da Panair. É recebido com uma lista de vôos para que programasse a sua volta a São Paulo.

-- Che, mirà, he resolvido mis problemas por cable, anoche. Perdi um montón de plata y ahora tengo que quedar-me acá . Ustedes me emiten un boleto Rio- San Pablo com fecha abierta y todo queda arreglado. Como? Hablar com el jefe? Si, como no! Si, si está bien, muchas gracias, saludos a todos.

E Diego saiu com um bilhete em aberto, acrescentando mais alguns trocados ao seu patrimônio, quando nem Belzebu imaginaria que isso fosse possível.

Eu sei que o que vou dizer agora não tem nada a ver com o meu amigo Diego, mas não quero perder a oportunidade: sempre achei que o Brasil deveria invadir a Argentina para seqüestrar o queijo parmesão deles. É muito melhor do que o nosso. E mais barato.


Luigi Spreafico