24 outubro 2020

Dezembro está chegando

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Dezembro está chegando e é bom que o faça. Depois que Setembro se foi fiquei à cata de migalhas nos vastos jardins do meu Castelo, atividade que, inicialmente enfadonha, tornou-se fascinante e desafiadora.

 Nestes tempos de confinamento pandemonico, sem acento e sem endereço,  os dias parecem discorrer vazios, monótonos, tediosos e enfadonhos. Parecem. Mas não é o que está acontecendo. Quando me sentei hoje na sacada que dá vista aos jardins e contemplei os pinheiros que contornam a colina, com seu perfil esguio, sua altura infinita perfurando os céus, percebi que eles me apontavam a Montanha de Narayama. Apenas tomei conhecimento pois o mês de Dezembro é para ser festejado e os Deuses têm o momento certo para serem venerados.

 Continuei na minha quietude, usufruindo das delícias que o Castelo sempre me oferece. Os sabiás cantam sem parar, os cães ladram reclamando não sei de que, o sol aumenta seu brilho a cada dia e a temperatura sobe envergonhada, resistindo ao verão que se aproxima.

Depois do esculacho que levei do Severino na semana passada, não vi mais as crianças alegres saltando Amarelinha com uma perna só. Nem com duas. Aproveitei a lição e desencavei um velho disco do Kasparov. E passei a capturar Bispos e Damas no computador.

 Pensando nas alegrias que o mês de Dezembro vai nos proporcionar está, sem dúvida, e para gáudio dos gulosos, o de . . . comer Panettone.

Muitos anos atrás dediquei tempo e esforço a fim de encontrar uma receita para fazê-lo em casa. Tive êxito numa delas, justamente na especialidade mais difícil e inexistente, pelo menos no mundo civilizado que eu frequentava: um Panettone de farinha totalmente integral. Quem já trabalhou em Confeitaria sabe muito bem, é como trabalhar com areia. Mas eu tive sucesso e o aproveitei comercialmente quando, depois de aposentado, precisei encontrar uma atividade que me permitisse complementar a mísera mesada que o Serviço Social me proporcionava.

 Era a época em que o Mister Cooper visitava o Rio de Janeiro e as corridas de rua se tornaram moda. Eu participava de todas elas. As lojas de produtos naturais também. Eu vendia meu panettone lá, pois muitos atletas preferiam esse tipo de alimento. Todas as manhãs, depois de ter ralado a noite inteira na produção, eu partia com duas enormes sacolas para repor as peças vendidas. E, muitas vezes, o que acontecia é que me cabia trazer de volta as peças encalhadas, com o prazo de validade vencido. Vida dura seu Gino, vida dura !

 Mas, a necessidade faz o inventor. Eu usava, para a embalagem, papel manteiga em folhas grandes, que eu cortava conforme a necessidade. Nessa operação sobrava uma tira estreita e longa que, obviamente, era descartada.

Eu havia criado a marca “Panettone do Flamínio”. Então me veio a ideia: Escrevi nas tiras, em letras vermelhas,  a frase  Panettone do Flamínio. A energia do corredor “. A fita foi fixada ao panettone, como um galhardete flamejante. As prateleiras das lojas ficaram reluzindo. E as vendas dispararam.

 Ora pois, mas eu não vim aqui para falar disso. Acontece que o Severino Mandacaru anda me atazanando. Telefonou-me de Cabaceiras onde se encontra confinado, perguntando como eu iria festejar este Natal. Respondi-lhe secamente:

 “ Confinado, como todo o mundo “

“ Seu Galego da gota serena, por que você não faz o  “Natal Tropical ?”

 Eu havia tratado disso muitas crônicas atrás. A ideia era fazer uma festa mais adequada ao clima tropical, sem a neve fabricada com flocos de algodão, nem aquela carroça enorme que desliza sobre as planícies geladas dos campos europeus.    

 O novo cenário já estava definido: Estava no poema de um amigo meu, Wanderlino Teixeira Neto, denominado “Noel Tropical”.

 Ilustrei o poema com uma receita de pé de moleque pernambucano, como sugestão para substituir o clássico panettone. É a crônica de número 75 – “Bolo de Natal”

Tá bom, Severino, você ganhou.  “Fiat voluntas tua” . Aqui vai :

 

NOEL TROPICAL

                                                                            Wanderlino Teixeira Neto

 “Enfeitarei com bolas de bexiga meu pé de angico 

plantado lá no fundo do quintal.

Não virá, neste Natal, Noel, aquele tal:

gordo, patusco, bem nutrido .


 O que há de vir é nanico, endividado, sofrido,

sem gorro na cabeça chata,

de bermuda, camiseta e alpercata.

Em vez da alva barba, a boca em caco

e um balaio, não o saco.

 

Haverá Sol em lugar da neve de algodão

e os sinos não badalarão neste Natal:

os sons serão de berimbau!

 

Nada de castanhas, nozes, avelãs e vinhos de outros cais,

apenas aguardente e frutos tropicais!”

Vejam só: Noel virá de jegue, não de trenó!

 

Até nem será Noel quem virá neste Natal,

mas Severino e Ribamar, e Juvenal e Zé...

que hão de dispensar a sorrateira chaminé!”

 

10 comentários:

  1. A casa inteira ficava perfumada!
    Dava para sentir o cheirinho mesmo antes de chegar ao portão.
    Muitas vezes fiquei com você até tarde da noite: você esperando a massa fermentar (no inverno demorava pacas...) e eu esperando revelar as telas de silk screen da Sgrufin Graphos. Os primeiros rótulos do panetonne. A "roda d'agua" ilustrando a etiqueta. As sacolas, as camisetas... As etiquetas penduradas nos varais improvisados pelo meio da casa para secar. Imagino que as etiquetas também ficassem com cheiro de panettone.
    Era muito bom partilhar aqueles momentos com você.

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    1. Bons tempos. Tudo era arte. E cada coisa tinha o seu fim expecífico.
      Andei procurando na minha sucata vegetal alguama cópia daqueles desenhos. Em vão. Mas levarei sua memória para o epaço sideral.

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  2. E cade a receita do panettone do moleque feito com mandioca?

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    1. Falha minha Pedro. A receita está na Crônica Nº 75, chamada "Bolo de Natal"
      O Blog andou destrambelhado mas já o conserteí e egora é fácil localizar uma crônica : Na página de abertura, logo abaixo do título do Blog, lado esquerdo, você encontra duas janelas : Página Inicial e Lista de crônicas. Selecione esta, escolha sua crônica, clique nela e . . . vruuuummm !

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  3. Confessando minha deficiência literária, não conhecia esse poema Noel Tropical, um reconhecimento da própria cas💐, região e cultura. Belíssim☀️!!!
    Grande Abraç🤗.

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  4. O poema é de Wanderlino Teixeeira Neto, meu colega na Estaçao das Letras.

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  5. Está decidido!
    Nós por aqui, junto com dona Barbarina, vamos produzir, para este natal, o pão integral usando a receita que está na página 317 do livro lindão recém publicado, como dizem hoje nos meios comerciais, em capa comum.
    Que permite pegar, manusear, cheirar, sublinhar, marcar texto, dobrar a pontinha da página, colocar marcadores, colocar na estante, visualizar de longe, deixar cair, sentir o peso, ter noção clara do tamanho da obra, ter noção do tempo de leitura sem precisar abrir, poder fazer marcas externas que o identifiquem de longe como sendo seu, ter dedicatórias e autógrafos para enriquecer o sentimento ter e da importância do seu envolvimento com a obra, de poder passar concretamente de uma mão para outra e para alguém, da sensação do autor na noite de autógrafos, da possibilidade de ver os detalhes os desenhos o layout, de ouvir o barulho do passar das páginas, da dificuldade em alguns momentos de passar a página.
    Enfim devem existir mais algumas dezenas de sensações.
    Obrigado pelas memórias.

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  6. Parabéns Fernando pelo seu comentário, que escancara o imenso universo de sensações que um livro de papel pode oferecer. Um alerta para os nossos incautos leitores.

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  7. Ainda bem que Severino te deu um esculacho!
    E o Natal será Tropical :-)!

    Lindo Seu Luigi!

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  8. Muito boa a história do panettone integral, eu que sou neta e sobrinha de Spreafico com a tinha que temos não deixei de fora a fabricação do panettone também! Posso dizer muito satisfeita pela realização desse colosso!

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