03 julho 2020

VOLTEI AOS MEUS PAGOS




Severino Mandacaru emergiu dessa Pandemonia sem acento nem endereço e mandou-me uma mensagem digna de um escoteiro de Cabaceiras:
“ Seu galego bexiguento, você sumiu, onde você se meteu?”
Expliquei-lhe que havia subido a Serra a convite do meu filho, que queria tirar-me  desta solidão Pandemoniaca (sem acento nem endereço), deste confinamento cruel, desta solidão, desta imobilidade silenciosa e levar-me para um lugar que tem tudo isso mas a vida é diferente; é mais humana, disciplinada, alegre, festiva e em contato permanente com a natureza.

“Estou feliz, Severino, e pretendo ficar por lá o resto da vida. E você, o que tem feito?”

“Saí de Cabaceiras. As pessoas não comem mais macaxeira. Agora é só hotidogui, poteito,   . . . . e é tudo entregue no cangote de uma motocicleta. Vim pra Recife e estou pensando seguir o conselho daquele garoto, o neto do Haineken, lembra, que veio ao Recife e queria fabricar umas biritas com a mandioca brava? Estou pensando em fabricar cerveja . . . .
. . . . Ontem estive com o velho Ascenso. Encontrei-o, como sempre, na beira do Cais do Apolo. Ele mandou um abraço pra você.”

Veio-me logo à cabeça a imagem de Ascenso Ferreira sentado no Cais do Apolo disparando versos que ricocheteavam na superfície das águas para afundar, mais adiante, refletindo a luz prateada da lua cheia. E, quando vi a lua, não pude evitar de ouvir os versos de Carlos Pena Filho, o poeta do Bar Savoy.

 “Era uma lua tão grande
De tão vermelha amplidão
Que mesmo Ascenso Ferreira
Comendo só a metade
Morria de indigestão”

“Obrigado Severino, por me trazer essas notícias porque há bem pouco tempo andei relendo poemas do Ascenso e topei com aquele onde ele faz uma gozação aos gaúchos, lembra?”

 GAÚCHO
Riscando os cavalos
Tinindo as esporas
Través das cochilhas
Saí dos meus pagos em louca arrancada
== Pra que?
== Pra nada,

“Apois, quando eu resolvi subir a Serra me deu na veneta fazer uma paródia com os versos do Ascenso e, invertendo-lhe o destino, voltei aos meus pagos.

VOLTEI AOS MEUS PAGOS

Subindo a Montanha
Tremendo de frio
Cantando louvores
Voltei aos meus pagos
Em louca empreitada
--  Pra que?
--  Pra vida encantada

E foi assim que nos sentimos, minha esposa e eu, quando chegamos ao topo. Encantados.
Fomos alojados em um pequeno castelo, pouco maior do que cinquenta metros quadrados, na beira da estrada que atravessa o Mury em Nova Friburgo, cerca de cem metros do renomado Bistrô Primavera, onde o chef Flamínio e sua esposa Adriana encantam seus fiéis clientes com iguarias da cozinha internacional.

E o mundo Pandemônico em que vivemos hoje tomou, para nós, um outro sentido. Adeus solidão opressiva. Adeus angústia estressante. Adeus medos e suspeitas. Voltou a alegria, o bom humor e a tranquilidade. E a beatitude das almas ingênuas.





6 comentários:

  1. Está aí uma demonstração do valor das coisas.
    Um pequeno e simples chalé com valor de um castelo!
    É assim que são os valores da vida, a felicidade não tem preço!
    Pequenas coisas, grandes satisfações.

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    1. Tive o mesmo sentimento quando lia! Um pequeno chalé com o valor de um castelo!

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  2. Simples e sincero. A Família é o melhor remédio. Até na minha assinatura tem o nome do meu filho que fez login no meu celular...

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  3. Que crônica emocionante. Achar o sentido das coisas, novos significados, novos olhares, faz tão bem a alma.

    Com certeza, um pequeno castelo que se encherá de novas e belas memórias.

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  4. Que descrito!
    Carregado de significados e emoções!
    Abraça as árvores Severino, que elas hão de te ensinar a firmeza do pensar e do viver!

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  5. Obediente às dicas do autor, tratei de reler essa entusiasmante crônica que nos lembra a existência de lugares ainda possíveis no mundo e que a simplicidade não tem preço. E, quando podemos querer não devemos evitar em conquistar. Que bom que você pôde aproveitar essa oportunidade que se apresentou e, aproveitou! Maravilha! Sem dúvida, ao ler, dá vontade de estar aí!

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