25 julho 2020

No meu Castelo


Nota: Publicado sem revisão ortográfica

 E aqui estamos, instalados neste imenso castelo, com todas as comodidades que a vida principesca pode proporcionar.
Acordei cedo, hoje. Sentei-me numa cadeira do jardim e fiquei observando as gotas de orvalho depositadas sobre as folhas de um pé de fícus, bem próximas do meu nariz, que resistiam ao tênue sol de inverno. Algumas joaninhas se equilibravam entre as gotas, já que não podiam vencer a tensão da capilaridade do líquido. Dois colibris apareceram apressados, rufando as asas, sugando o néctar das flores ainda úmidas, e sumiram na imensidão do céu.
E fiquei pensando no que ainda poderia acontecer,  naquele dia, que pudesse perturbar tamanha quietude.  Nada !

Nada, a não ser o castigo imposto pela virulência dessa endemoniada Pandemonia sem acento que nos mantém aprisionados no mais severo confinamento, enfrentando com uma contraditória alegria e suprema felicidade estes dias tresloucados a que fomos condenados.
Para mim não foi difícil adaptar-me à reclusão monástica que a quarentena nos impôs.
Depois de fazer uma prudente reserva de vinho, aquele que os frades usam em suas celebrações, mergulhei com avidez no meu quotidiano menu de feijão com arroz, frutas, legumes, ovos e sementes oleaginosas. Para não falar da macaxeira e do pão integral que eu mesmo faço.

Não faltará como ocupar-me durante o dia. Basta olhar à minha volta. Na rua, no restaurante, nos ônibus e metrô, na sua própria casa. O que  vejo ? Um monte de gente ciscando freneticamente com um dedo sobre uma placa de vidro, produzindo letras, imagens e sons:  O Celular !
É isso mesmo. O celular, essa maquininha mágica que tantos serviços  inestimáveis nos presta e ao mesmo tempo imbecilizando boa parte da sociedade e desconcertando  o restante.

O celular tudo pode. Ele permite que se fale e escute contemplando a fisionomia alegre, ou triste, da pessoa com quem falamos e até o ambiente de onde está falando. Ele substitui o livro impresso, que ocupa espaço precioso em nossas paredes. (Quanto à qualidade da leitura, é outro assunto, há controvérsias). Ele também substitui o professor na sala de aula, ele substitui a velha máquina fotográfica., as festas de aniversário, a ida, para compras, ao supermercado e o que mais essa nossa tecnologia pródiga tenha inventado nas últimas 24 horas. Sou capaz de adivinhar que em breve não precisaremos mais de barbeiro nem  mecânico de automóveis.

Se por um lado a tecnologia nos facilitou essas tarefas quotidianas, por outro comprometeu o relacionamento humano. Os grupos sociais estão se esfacelando, o ser humano está se degradando e a própria família não tem mais aquele sentimento de unidade, de solidariedade e de afeto. Os princípios mudaram. Não estou inventando nada. Tudo isso foi estudado por sociólogos, sociólogos e outros especialistas provavelmente já substituídos pelo celular,
Até pouco tempo as pessoas se encontravam. Para discutir, trocar ideias, planejar, efetuar tarefas ou simplesmente falar da vida alheia. Agora não há mais encontros. Os encontros são feitos por via eletrônica. Nós vemos as pessoas. Vemos o seu rosto, vemos os seus olhos, mas não vemos o seu olhar, não sentimos a sua alma.

Repito: Eu não estou inventando nada. Isto tudo era assim antes da Pandemonia sem acento. Portanto, ela pode ter agravado, ou menos, o estado das coisas. Lembro-me de uma entrevista dada pelo meu coleguinha Veríssimo algum tempo atrás. (Perdoem a modéstia, chamo-o de coleguinha depois que conheci o Luiz Fernando Verissimo e de ter-me tornado um fanático leitor de suas crônicas – leiam “Os bondes do Verissimo” e “Mais bondes”, aqui mesmo, muitas paginas atrás).
 Perguntado sobre o que achava da tecnologia em nossos dias ele respondeu o seguinte: (estou citando de memória):

“ Quanto à tecnologia eu admiro o avanço, etc, etc, mas ao mesmo tempo me preocupo com a contribuição que ela está dando para a imbecilização do homem . . .” .
Assim é, e assim será. Embalsamado em meu casco, contemplando os jardins do meu Castelo, reconheço que sou um felizardo. E me auguro que, ao subir a Montanha de Narayama, os deuses me recebam com a complacência que eu merecer como pecador, ranzinza e . . . mandão.

4 comentários:

  1. Parabéns, amigo...pelo olhar e pela visão. Ou seria reflexão? Estamos todos na mesma tela, como uma célula de um grande organismo. Influenciamos e somos influenciados..a menos que não haja mais fôlego de vida...
    Obs: vai sair com a assinatura de meu filho pois nessa era tecnológica lá se foi a privacidade...os filhos, por quê tê-los? Como não tê-los?

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  2. Obrigado,amigo. Seu comentário ê um grande íncentivo.

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  3. Querido Gino

    Esses escritos nos convida a busca da vida interior! A verdadeira qualidade de vida!
    A evolução da tecnologia parece ser vigorosa, e talvez para muitos imperativa, até quando, não sabemos, pois ainda vamos vivenciar como reagiremos a robotização e tantas automações. Todavia a condição ofertada pelo universo a pessoa humana para a criação dessa tecnologia urge adequa-se aos sentimentos traduzidos pelas atitudes de amor, riqueza e pureza nos relacionamentos.

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    1. Obrigado Ana, pelo seu comentário, muito oportuno e esclarecedor. Ele complementa o que eu queria transmitir.

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