Muito tempo atrás escrevi “O Colaminho”.
Era a história de um casal que, por causa de um colaminho, meteu-se numa discussão
inicialmente civilizada mas que, aos poucos, foi-se tornando cruenta, redundou
em briga feroz e terminou em separação. E ambos foram infelizes para sempre. E
tudo por causa de um colaminho !
Eu não vim aqui hoje recontar essa história,
mas para estabelecer um paralelo com os
dias que estamos vivendo.
Em estado de contrição, engolfados nessa
penitência austera que nos foi imposta pelas iniquidades que cometemos, nos
arrastamos entre as quatro paredes que o destino, a nossa laboriosidade o nosso
sacrifício ou a nossa ganância, nos reservou.
Apelei para o diálogo que levou à separação
do casal para dar um exemplo de como as pessoas, sob o efeito dessa “Pandemonia”
sem acento, perdem a noção espaço/tempo e embaralham seus sentimentos tornando-se
impacientes, rancorosos, intolerantes, transformando-se em alguém a ser
evitado. Um ser estressado e deprimido, esse é o protótipo para o qual tende o
cidadão confinado de nossos dias.
ORATE FRATES. Orai irmãos é o que vos peço.
E quem o pede é alguém que nunca orou.
Deve ter sido erro de fabricação. Mas essa foi uma prática que eu nunca
consegui incorporar e, para justificar-me, eu dizia que a minha oração era o
trabalho. Com isso, fui engabelando os devotos amigos que me toleraram e,
apiedados, certamente rezaram por mim.
Mas devo dizer que ímpio não sou. Porque
um dia, muito tempo depois, para minha surpresa, encontro em um texto qualquer
que lia por acaso, as seguintes palavras: . . . “a
melhor forma de oração é o trabalho”.
Precisamos nos acostumar. O isolamento está
aí e não sabemos quando irá terminar nem como irá terminar. Temos que
nos adaptar ao novo sistema de vida,
limitado em sua amplitude e aliviado com os novos meios de comunicação – e aqui
me refiro principalmente àqueles que ainda usam lápis e papel para se fazerem
entender. Precisamos inventar o que fazer para dissipar esse tempo exasperador
que se recusa a passar. É preciso criar, fazer o bestunto funcionar para que possa
inventar coisas.
E aqui uma delas já me vem à cabeça: o Silêncio.
Aprenda a ficar em silêncio!
Você não terá obrigação de responder
perguntas e, mais importante, você não irá mais falar besteiras. Se for preciso
pendure no pescoço uma plaquinha dizendo “Em Voto de Silêncio”. Mas, cuidado! Dependendo
do seu temperamento o silêncio pode ser traiçoeiro, e você acaba ficando mais
deprimido ainda. Então fale suas besteiras à vontade, e aguente as consequências.
Cabe-me agora uma digressão. Devo contar
uma experiencia que vivi quando ainda era bem jovem, no meu amado Recife, e que
tem a ver com o silêncio. Uma vez por ano eu costumava fazer um retiro espiritual.
O período era o Carnaval ou a Semana Santa e o local mais importante era um
convento de frades.
Outro local, usado no período de férias escolares,
era uma barraca com teto de palha de coqueiro na Praia do Ó, a 13 quilômetros da cidade de Paulista, um reduto onde morava
apenas um grupo de pescadores de lagosta.
No caso que vou relatar eu estava no
Convento de Frades. Creio que eram Maristas e ficava na Praia da Piedade, logo depois
de Boa Viagem. O Convento estava plantado em plena praia, de frente para o mar.
O retiro durava seis dias e obedecia à uma regra geral: Silêncio absoluto! Ninguém
podia falar. Durante o evento eram proferidas palestras e prédicas religiosas,
bem como orações, sempre por parte dos frades. Instruções ligeiras aos fiéis emanavam
dos religiosos, de forma rápida e sintética. Não eram admitidas perguntas. Nas
horas de folga era facultado o banho de mar, vigiado por um frade, para
garantir o silêncio dos fiéis.
O resultado dessa experiência foi assombroso.
Seis dias sem falar.
Ao recuperar a voz, eu tive a sensação de
estar ressuscitando. Parecia-me descobrir um mundo novo. Ao despedir-me dos
frades minha voz parecia estar descendo das nuvens.
Mas voltemos ao nosso trabalho: descobrir
o que fazer e como fazer, para cumprir nossa Penitência.
Para completar fui à procura de métodos e
sugestões e, não me avexo de confessar, andei fuçando nos livros de auto ajuda.
Não vou conseguir citar as fontes, em primeiro lugar pela sua extensão e
depois, porque não tenho certeza se elas vão auto ajudar mesmo. Mas fiquem
tranquilos: estarão devidamente entre aspas.
“Cuide da postura corporal.
Durma
sem travesseiro.
Experimente não usar o encosto da cadeira.
Não
reclame das contrariedades que ouve.
Não
assista TV.
Fuja dos Tizapps e Facebuques.
Pare de falar mal dos outros.
Pare
de falar bem de você.
Coma muita saladinha. E coma sem tempero.”
Para concluir, devo dizer que estou
cansado. Trabalhei muito na vida. Construí fábricas, dei aulas, dirigi
empresas, escrevi teses e fiz teatro nas horas vagas. E agora, quando planejo o
meu futuro, tudo o que tenho a oferecer é . . . um passado.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluire baixo para cima e quase fechando – o passado, ah! o passado!! Quando nos prende de uma forma dolorida nos deixa metaforicamente mortos, impedindo a nossa evolução. Quando se honra e se respeita, ele é mágico. Quando entendemos que em todas as circunstâncias fizemos o nosso melhor; é transformador, é aprendizado, é transcendente... assim como é o seu!!!
ResponderExcluirPost scriptum – não posso deixar de comentar esse “princípio" - O trabalho no bem da humanidade é uma forma de oração! Assim Seja!