16 dezembro 2009

O MEU RIO DE JANEIRO

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O velho DC3 desabou sobre a pista e caminhou, trôpego, até alcançar a estação de passageiros do antigo Galeão. Visto com os olhos de hoje aquele avião não passava de um calhambeque mas aos olhos de um garoto de 18 anos era um bólido espaçoso e confortável. A Real Transportes Aéreos mandara uma limusine apanhar-me em casa, na cidade de Paulista, pouco distante do Recife, para conduzir-me até ao aeroporto. Em 1948 viajar de avião era um luxo. A minha emoção, ao desembarcar no Rio de Janeiro, era tão grande que mal pude registrar a paisagem que se descortinou durante o percurso entre o aeroporto e o meu destino final: um sóbrio casarão na Rua Bela, em São Cristóvão, o alojamento da escola que iria me abrigar por quatro anos durante os quais eu me amalgamaria com a cidade do Rio de Janeiro. Percebi que o Rio de Janeiro começava a penetrar na minha alma e tive disso a confirmação quando, na manhã do dia seguinte, depois de uma noite repleta de sonhos, ainda na cama, chegou-me até as narinas o aroma penetrante do café que estava sendo coado na cozinha. O Rio que me recebia era aristocrático. Seu Alfredo, embalsamado dentro de uma espécie de fraque “risca de giz” e gravata borboleta, servia o almoço com a austeridade de um garçom londrino. A vida, no internato, era espartana: oito horas de aula durante o dia e sessão de estudo, à noite, obrigatória. Não sobrava tempo para devaneios. Mas, aos poucos, fui descobrindo a cidade, completamente envolvido pelo seu fascínio. Eu observava o trejeito das pessoas, como falavam, como riam, como se comportavam dentro dos bondes, como se sentavam nos bancos dos jardins. Eu percorria as livrarias deslumbrado e namorava com a estátua da Primavera na Praça da República. Ao domingos eu lia “O Jornal”, considerado o melhor jornal do Brasil, embora o “Jornal do Brasil” se considerasse o melhor jornal, segundo um trocadilho bobo que corria na época. Aos domingos havia também, pela manhã, os recitais de órgão no Mosteiro de São Bento onde eu chegava de bonde, depois de duas baldeações. Aos sábados o bonde 34 “Alegria” me levava até a Praça Tiradentes onde, numa rua transversal, o Cine Dom Pedro exibia os filmes do neo-realismo italiano, que tanto me marcaram. Na Cavê tomei meu primeiro chá. Na Spaghettilandia comi meus primeiros espaguetes e na City Rio minha primeira pizza. Nos Esquilos tomei meu primeiro conhaque. No Bola Preta, pulei meu primeiro carnaval. E o que dizer do Samba Danças, bem ao lado do Palácio Monroe, onde as “táxi-girls” perfuravam meus cartões com uma volúpia que não demonstravam durante a dança? Foi ali que assisti o Jamelão, cantar e o Grande Otelo dar grandes gargalhadas. E o Mangue ? O Mangue, a cidade proibida, a cidade do pecado... O Mangue fervilhava de gente vinte e quatro horas por dia. No Mangue não havia descanso. O Mangue não podia parar. O Mangue era a turbina que proporcionava a energia para o Rio funcionar. O Mangue aliviava tensões, apaziguava discórdias, equilibrava emoções, saciava desejos, alimentava sonhos. O Mangue fazia do carioca um ser equilibrado. O enorme gasômetro ao lado, com sua cúpula que subia e descia sobrepondo-se ao casario baixo da área, criava um cenário de atividade industrial. A sua população deslocava-se com rapidez como operários saindo das fábricas. Um delicado cheiro de gás ocupava todos os espaços, fixava-se nas narinas e no cérebro, e se tornaria, com o tempo, um eficiente afrodisíaco. A laranjada no Tabuleiro da Baiana... o chop no bar da Brahma, bem ao lado... os ônibus “Camões”, caolhos de nascença... Cacilda Becker... Alda Garrido... o Hamlet do Sergio Cardoso... Era o Rio de Janeiro... O meu Rio de janeiro... O Rio de Janeiro modernizou-se. Eu, amadureci. Caminhamos, ambos, à procura um do outro.

Um comentário:

  1. Luigi, aqui é muito tarde e eu estou hoje um caco... porém márcia me deixou uma mensagem falanda da tua mensagem e eu fiquei super emocionado com esta gentileza... sim, claro que iremos aí te visitar! Como é bom conhecer-se pessoas novas! Isto faz bem... Celebrando o comeco de uma amizade, te mndo um abraco amigo
    Ricardo

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