25 março 2023

VOLTA À CASA PATERNA

 CAPÍTULO 7

Novas atividades na CEPAL

O trabalho no Chile, continuou eficaz.  Os estudos da indústria têxtil dos países latino-americanos estavam publicados. O meu contrato de trabalho, inicialmente de sete meses, foi se ampliando e eu acabei me tonando funcionário permanente ou “ de planta “ na denominação local.  Assim, comecei a fazer estudos para outros setores, começando com o metalmecânico que me era mais familiar.

Depois de algum tempo, fui cedido ao ILPES  -  Instituto Latino-americano de Planificación Economica y Social, um Organismo da própria CEPAL, onde passei a dar aulas e organizar Seminários, sempre tendo setores industriais como modelo.

O trabalho era gratificante e o convívio com alunos ilustres – professores, alguns ministros de Estado  - fez com que eu aprendesse muito. Por outro lado, a tarefa não era cansativa. Tínhamos um convívio social intenso e um círculo de amigos muito ativo, sempre organizando jantares e passeios.

Para mim, Santiago era um paraíso. Cidade limpa, organizada, silenciosa, sem violência. Polícia exemplar. Ai daquele que tentasse subornar um policial. Seria preso no ato.

Eu morava em Vitacura, um bairro pacato, estritamente residencial. Todas as manhãs eu ia buscar o leite. Era embalado em garrafas de vidro colocadas em um engradado, na esquina de casa. Eu levava a garrafa vazia e colocava o dinheiro numa caixa de papelão, onde já havia um monte de moedas e cédulas. Nunca encontrei ninguém.

Nos fins de semana, passeios a Viña del Mar, visitas a Isla Negra, onde            viveu Pablo Neruda ou visita à Gascona, sua casa em Santiago, passeio por Costanera e almoço em Las Condes.

 O tempo passava e eu vivia feliz com o meu trabalho. Mas o destino, às vezes, nos reserva uma surpresa. Quando eu menos esperava recebo uma carta do BNB - Banco do Nordeste do Brasil convidando-me a trabalhar no Brasil. Eu já havia trabalhado com o Banco pois ele formava, com a Sudene, o Programa de Reaparelhamento da Indústria Têxtil. Adaptando a loquacidade da carta para termos informais, ela dizia o seguinte :

 -- “Galego, você que trabalhou tanto com a gente e que dizia que o Nordeste era a sua Pátria, por que não volta pra cá ? As fábricas de tecidos aqui continuam fervilhando e carentes de ajuda técnica. “

 Isso foi suficiente para disparar uma centelha na cabeça do Galego. Comecei a despedir-me dos colegas de trabalho da CEPAL, enfrentando abraços e enxugando as lágrimas. Despachei os poucos moveis e os “efectos personales “ de que dispunha por navio em no dia 5 de Setembro de 1968 eu embarcava para o Recife.

 Deixei a família na velha casa e parti para Fortaleza. No Banco, recebeu-me o Aldenor, advogado do Departamento de Crédito Industrial, * o qual iniciou os procedimentos para a minha admissão. Documentos, exame médico e não sei quantas certidões negativas, inclusive algumas que tratavam de tendências políticas, opiniões sobre o Governo daqui, do Chile, da Bessarrábia e não sei o que mais. Descobri então, que havia acabado de ser promulgado o AI 5, destinado a consolidar as normas da ditadura no Brasil.

Admitido, depois de um breve período em Fortaleza, fui transferido para a Agência do BNB no Recife e continuei fazendo o que sabia : cuidar de fábricas têxteis. Passado um curto período, pedi demissão e abri meu próprio negócio. Fundei a CTA – Consultores Têxteis Associados, uma empresa  especializada na elaboração de projetos têxteis, sem empregados, mas com dois Diretores : Eu e minha esposa Dorotéa Brasil.

 

·        Ver crônica  “Aldenor, o Messias”  Página 119 do livro  “Memórias de um Vago” , ou www.memoriasdeumvago.blogspot.com

 

  

 

16 março 2023

O TRABALHO NO CHILE

 

CAPÍTULO  6

 A CEPAL  -  Comissão Econômica para a América Latina.

Uma Organização destinada a promover o desenvolvimento econômico dos países latino-americanos.

Desde 1960 eu vinha trabalhando tranquilamente no Nordeste do Brasil cuidando dos projetos das fábricas de tecidos e treinando Mestres e Contramestres.

Em Fevereiro de 1964,  correu um boato, entre os meus colegas, de que um certo Capitão Mourão estava aquartelado em Juiz de Fora, pronto para descer para o Rio e ocupar o Palácio do Governo. Todo mundo achou graça. No dia 31 de Março, do alto do prédio da SUDENE, eu vi os tanques de guerra cercarem o Palácio das Princesas. Prenderam o Governador e saíram à procura de subversivos.

Estava implantada a Ditadura. A SUDENE recebeu um novo Superintendente, um General. Celso Furtado foi convidado a ficar mas não aceitou. Saiu do país e foi dar aulas nos Estados Unidos. Nessa época, além do meu trabalho, eu fazia o curso de Economia na Universidade do Recife. Tive que abandoná-lo. Por oportuno, devo contar também a minha experiência com o regime militar. Eu tinha ido a Sergipe analisar o projeto de reaparelhamento da Fábrica da Estância. Indeferi o projeto porque, conhecendo o regime de chuvas no Nordeste, percebi que a fábrica poderia ser inundada. Com efeito, algumas semanas depois, a fábrica foi inundada.  Quando isso aconteceu meu chefe me chamou e disse:

 -- “Prepare-se para viajar. A Estância foi inundada. É preciso fazer um projeto de recuperação da fábrica”.

 Eu me recusei. E o meu chefe comandou:

--  “Então você vai falar com o General. Eu fui.

Esta história é muito longa, mas não se perdeu. Está na página 281 do livro “Memórias de um Vago”. Para quem não tem o livro (está esgotado) vale o Blog  “www.memoriasdeumvago.blogspot.com”

 Apesar dos embaraços e adversidades, o meu trabalho, bem como o da minha esposa Dorotéa, continuava produtivo e eficaz. Viajava muito pelo Nordeste escarafunchando as fábricas e me sentia feliz e orgulho0,0,so do meu trabalho, convivendo com empresários, diretores, contramestres, fiandeiros e tecelãs. E vibrava quando subiam os índices de eficiência das fábricas.

Até que um dia recebi um convite para trabalhar na CEPAL, com sede no Chile. No mesmo ramo têxtil no qual eu havia me destacado na SUDENE. Iria coordenar o diagnóstico da indústria têxtil de vários países: Argentina, Uruguai, México, Colômbia e El Salvador. E, ironia do destino, recebi a missão de vir ao Brasil para avaliar como andava o Programa de Reequipamento da Indústria Têxtil do Nordeste. 

Concomitantemente aproveitei para desenvolver alguns conceitos técnicos que ajudariam as fábricas a optarem entre tamanho e rentabilidade, tecnologia e custo de mão-de-obra, entre outras. Entre os mais importantes preparei: 

“Economias de Escala na Indústria Têxtil”

“Seleção de alternativas tecnológicas na Indústria Têxtil”

“Transferência do conhecimento técnico (know how) na Indústria Têxtil e do Vestuário.

Esses trabalhos foram editados pela CEPAL em português, espanhol e inglês. Ainda tenho cópia deles.

 

 

 

12 março 2023

A SUDENE

 

 CAPÍTULO  5

 SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

Programa de Reaparelhamento da Indústria Têxtil do Nordeste.

Carregando meu pedaço de papel na mão como um náufrago carrega sua prancha de salvação, alcancei a sede da SUDENE no centro do Recife. A SUDENE tinha como Superintendente o Ministro Celso Furtado, que havia identificado na Região Nordeste um descompasso no setor econômico em confronto com o resto do País. Grande produtor de matérias primas e fornecedor de abundante mão-de-obra, o Nordeste carecia de uma indústria manufatureira e conhecimento tecnológico. Dentro desse quadro sobressaia a Indústria Têxtil, com empresas de perfil notadamente familiar suas máquinas obsoletas e técnicas administrativas precárias.

 Quando cheguei, fui apresentado ao Diretor do Departamento de Industrialização, Dr. Juarez Farias, que me entrevistou. Foram três horas de interrogatório, com perguntas que dissecaram a indústria têxtil e me deixaram combalido.

-- Muito bem. Você está contratado!

Foi constituído o Grupo Têxtil. O técnico responsável e três especialistas: um engenheiro civil, um contabilista, e um advogado.

E assim foi criado o Programa de Reaparelhamento da Indústria Têxtil do Nordeste, que viria a ser aprovado pelo Conselho Deliberativo da SUDENE, em 9 de Junho de 1961.         

Iniciamos os trabalhos identificando o tipo de assistência técnica que seria oferecido às Empresas:

1 - Treinamento de Administradores: Proprietários, Diretores, Gerentes,          através de cursos intensivos, seminários e outros veículos.

2  -  Treinamento de Contramestres. Foram produzidas apostilas ensinando como calibrar, montar e desmontar as máquinas e aparelhos das diversas seções: Fiação, Tecelagem, etc.

3 - Aquisição de equipamentos novos, com financiamento bancário, isenção tarifária para máquinas importadas.

4 – Incentivos fiscais como isenção de 50% do imposto de renda, além de outro que permitia a utilização do restante para a compra de equipamentos.

Os incentivos oferecidos foram de tal magnitude que a participação do Empresário, no investimento do projeto, ficou reduzida a 15 %.

Por fim, para poupar o custo elevado em que incorreria o Empresário com a elaboração de um projeto produzimos um “Projeto Padrão “. Bastava preencher as planilhas oferecidas com os dados técnicos e financeiros. A única exigência imposta foi que o Empresário ficaria obrigado a sucatear o equipamento obsoleto.

Iniciado o Programa, visitei todas fábricas do Nordeste para efetuar a análise dos projetos ou ajudar na elaboração do Projeto Padrão.

Meu trabalho na SUDENE durou até Setembro de 1964. Nesse mês recebi um convite para trabalhar na            CEPAL – Comissão Econômica Para América Latina, uma organização das Nações Unidas. O contrato inicial era de 7 meses, para colaborar em um diagnóstico do setor têxtil Latino-americano. Percebi que era uma repercussão do meu trabalho na SUDENE.

Aceitei. E fiquei quatro anos. Mas essa é outra história.

 

 

01 março 2023

O MILAGRE

 CAPÍTULO  4

No primeiro jornal que comprei, achei logo um anúncio, publicado por Mestre & Blaget.  Esta era a matriz da Mesbla S.A no Brasil.

O anúncio dizia: “Precisamos de um Gerente para Importação Direta no Brasil”. Eu me apresentei. O escritório da Empresa ficava no mesmo prédio da Loja de Departamentos, Rua da Palma, no Centro do Recife.

Fui entrevistado pelo diretor da área. Depois de algumas perguntas ele concluiu:

“O senhor está contratado.  Vamos mandá-lo para o Rio passar uma semana, onde aprenderá a trabalhar com nossos produtos. Na volta, começa a trabalhar.

Nossos produtos” eram simplesmente: helicópteros, locomotivas, rebocadores de aviões, instalações hospitalares completas e . . . escavadeiras para mineração. Logo entendi o motivo da minha contratação. Em Olinda, Pernambuco, haviam descoberto umas jazidas de fosfato, mineral importante para a produção de fertilizantes. Chamava-se Fosforita de Olinda. Era aí que eu teria que concentrar minha atenção.

Peguei minha Harley Davidson 500 CC, a melhor moto do Recife, e fui visitar o local. Era um campo imenso. Na entrada, notei uma pequena construção de madeira, com duas janelas. Na certa seria o canteiro de obras. Fui em frente para ver como operavam as escavadeiras. No dia seguinte voltei lá. Quando passei pelo canteiro vi um homem na janela, que me olhava. Parei.

-- Hei! Essa moto é sua?

-- Sim, respondi.

-- Dá um pulo aqui.

E começamos a falar de motos. Queria saber como eu a tinha comprado, que ele sempre tinha desejado uma igual, e por aí vai. Notei que o cavalheiro era o Administrador da Empresa. Voltei outras vezes para falar de motos. Como bom ferreiro que fui, esperei que o ferro esquentasse para começar a batê-lo.

Um dia ele me perguntou: Mas afinal o que você faz na vida ?

-- Sou vendedor de escavadeiras! Eu represento a Marion, dos Estados Unidos, a melhor do mundo.

-- Não diga! Eu não sabia! Olha, eu queria comprar uma escavadeira, mas como tenho urgência queria uma usada.

 Você não conhece alguém, por aí . . . . .

-- Não se preocupe.  "Deixa comigo."

 Voltei para o escritório e mandei um telegrama Western para a Marion:

“Preciso de uma escavadeira de 6 jardas cúbicas para entrega no menor prazo possível”. Resposta da Marion:

“Temos escavadeira pronta, para entrega em 30 dias”.

E assim vendi minha primeira e única escavadeira.

Mas eu falei em MILAGRE e agora chegou a hora de explicar.

Eu estava trabalhando na Mesbla de Recife. Meu escritório era afastado da área de varejo. Tinha um recinto com uma mesa e duas cadeiras para os visitantes. Meu primeiro trabalho era ler os jornais do dia. Finalidade: Tomar conhecimento dos editais de licitação das entidades oficiais. Foi assim que cheguei a vender uma sala de cirurgia para o Ministério da Marinha.

 Na minha carteira profissional consta o seguinte :

 “Contrato de Trabalho”:

MESBLA  S.A.

Natureza do cargo: Encarregado de Importação Direta.

Data de admissão : 3 de Março de 1959.

Data de saída : 30 de Agosto de 1960.

Pois bem. Uma tarde, eu estava sentado na minha mesa de trabalho. Levantei-me para ir ao banheiro. Quando voltei, encontrei um cidadão sentado na cadeira dos visitantes. Eu o conhecia. Foi meu Diretor no tempo em que trabalhei na Escola como assistente.

-- Professor Palissy ! exclamei. O que que o senhor está fazendo aqui ?

-- O que que VOCÊ está fazendo aqui, pergunto eu. Recebi uma carta do Ministério do Interior pedindo que eu indicasse o melhor técnico têxtil deste país. Eu respondi que o melhor técnico do país estava aqui com vocês. Eles me disseram que não te tinham achado. Então vim para cá. Toma o endereço, vai lá correndo. Entregou-me um papel e deu meia volta. Sumiu sem se despedir.

Professor Palissy ! Um enviado de Deus!

Olhei o endereço : Era da SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Departamento Industrial.

E a minha vida mudaria por completo.