A Macaxeira - Aipim - https://youtu.be/YdHAHJJHXM4.
Surprenda-se com as informaçôes do Prof. Fernando Lemos sobre as propiedades da mandioca e as doenças do intestino. Está no Youtube.
No dia 6 de Setembro de 2011, publiquei uma crônica no Blog “Curta Crônicas” atendendo ao tema " Sabores" , proposto para aquela semana.
Dei-lhe o título de “Raízes” porque pretendia falar do aipim em
confronto com a batata, na gastronomia, fruto de uma conversa que eu havia tido
com uma colega durante o chopinho que sucedia às nossas aulas. Para
fazer graça, iniciei o texto falando das nossas raízes
culturais derivando, em seguida, para as raízes alimentícias. Como
não tive muito sucesso na discussão com a minha colega, no meu empenho em
defender a supremacia do aipim sobre a batata, na crônica resolvi carregar nas
tintas invocando o meu amigo Severino Mandacaru. Escrevi:
“Severino aproveitou a abundância da safra de macaxeira para implantar
uma fábrica de tapioca”... ... “Mandaria amostras para seus clientes
na Holanda, para onde já exporta a raiz “in natura”. Severino estava
duplamente feliz: caso a oferta vingasse melhoraria sua renda e,
consequentemente, o PIB do país, bem como aumentaria o valor agregado de nossas
exportações”.
Para meu espanto, no sábado, dia 7 de Janeiro de
2012, o suplemento “ELA GOURMET” de O Globo
publica na capa, em página inteira:
“Mandioca levanta o PIB”
“Deu nos jornais: graças à mais popular
e brasileira das raízes comestíveis do país, o Brasil fechou suas contas no
azul. A Rainha do Brasil foi a salvação da lavoura”.
A matéria segue, na página interna: “O aipim, ou
macaxeira ... recentemente se encarregou de dar um
providencial empurrãozinho no PIB brasileiro. Na última safra
nacional, segundo dados do IBGE, a brasileiríssima mandioca puxou os dígitos
para o alto. Foi, literalmente, a salvação da lavoura”
Transcrevo a crônica completa, para algum incauto leitor:
RAIZES
Nossas raízes são a nossa cultura. Quero dizer, nossa cultura
é produto de nossas raízes. Nossas raízes são o nosso caldo cultural. E é na
sua base que tem origem a afirmação da nacionalidade. Através delas nos fixamos
ao solo pátrio, fortalecemos nossa personalidade, garantimos nossa saúde e,
imaginem, consolidamos a nossa economia, assegurando o equilíbrio da combalida
balança de pagamentos do país. Nossos índios sobreviveram graças às suas raízes quando
a pesca e a caça escassearam. Desculpem o “pesqueacaçaescassearam”,
mas não vou refazer isso.
Há poucos dias eu conversava com meu amigo Severino Mandacaru, que
acabava de voltar de Cabaceiras, onde fora inspecionar suas plantações de macaxeira
e inhame, raízes que lhe dão o sustento. Voltou entusiasmado porque
o inverno, este ano, havia sido generoso em chuvas, duplicando a sua produção.
Severino aproveitou a abundância da safra de macaxeira para
implantar uma fábrica de tapioca, esse milagre
sensorial - ia dizendo “organoléptico”, mas ele não iria
gostar - , proporcionado pela exuberante raiz. Mandaria amostras
para seus clientes na Holanda, para onde já exporta a raiz “in
natura”. Severino estava duplamente feliz: caso a oferta vingasse,
melhoraria sua renda e, consequentemente, o PIB do país, bem como
aumentaria o valor agregado das nossas exportações.
Falei de “organoléptico”, e fiz muito bem. Porque um dia
destes eu me envolvi numa acalorada discussão com uma colega que se
dedica à gastronomia, explorando aromas e sabores com grande
maestria. Estávamos num grupo de controlados abstêmios e tomávamos chá de
cevada fermentada quando minha colega, gentilmente, me ofereceu
batatas fritas. Aceitei de bom grado, até porque gosto de batatas fritas mas
confessei que preferiria aipim frito, para acompanhar a bebida.
-- Mas,
por que aipim frito?
Expliquei-lhe que a razão da minha escolha era apenas um apego
ideológico às minhas raízes.
-- Mas
a batata é mais saborosa, disse ela.
-- Mas o aipim é mais saudável, retruquei. Não discutirei o gosto mas
o aipim é superior em tudo. Você sabia que a batata se
decompõe a partir de duas horas depois de cozida? Faça uma experiência: Deixe
uma batata e um aipim ao ar livre. A batata apodrecerá e exalará um odor
insuportável. O aipim mumificará, esperando a sua consumação pelos tempos.
-- Mas
a batata é mais versátil, atacou ela astutamente.
-- Se vamos falar de versatilidade, o aipim ganha longe. Com a
batata você faz um purê, essa mistura esdrúxula de amido e leite e, se você o
comer, terá grandes possibilidades de passar o resto do dia aventando flatos
alegremente. Com o aipim você também faz um purê, mas não precisa de leite para
lhe dar consistência e sabor. Depois disso, além da pecaminosa batata frita,
principal responsável pela maior parte da celulite das nossas donzelas, o que
mais você pode fazer com a batata? Já sei, a batata rosti, esse repositório
descomunal de gordura saturada, porque é feita com manteiga, do contrário não
teria sabor. Das batatas ao vapor e das batatas coradas, versão lubrificada das
primeiras, nem vale a pena falar. Ah!, sim você vai me falar da vichyssoise,
mas eu pergunto: Vale a pena estragar um alho porró para fazer uma sopinha?
Bem, agora você poderia me dizer que a fécula de batata é importante para
engrossar o queijo do fondue. Certamente, mas ela é importante
na Suíça porque lá só se planta batata. Aqui pode-se
fazer isso perfeitamente com a goma de mandioca.
A essa altura, percebendo que minha arenga interminável havia impedido
minha colega de se defender, comecei a me sentir mal. Mas, ao fazer
uma pausa, ela disparou:
-- Para, para
. Chega ! você está me embromando! Prefiro discutir isto
diretamente com o Severino.
-- Isso. Isso mesmo, fale com ele. Ele vai lhe explicar as
vantagens do aipim frito e as virtudes do purê de aipim, da tapioca, do
polvilho azedo para fazer o pão de queijo e do doce para pudins, do pé de
moleque feito com massa puba, que não tem nada a ver com pé de moleque do sul,
feito de amendoim. E vai falar, também, da joia das sobremesas do Nordeste: o
bolo Souza Leão. Severino lhe ensinará a comer farinha de mandioca com mel de
engenho e lhe mostrará o montão de farofas que você pode fazer para o seu
feijão. E a casquinha de siri? De que é feita além do siri? Farinha
de mandioca! Isto sim, minha musa, é que é versatilidade.
E assim, após algumas taças de chá, notei que o meu bolodório
não a convencia. Ela me fitava complacente, sem bater pestana. Encarei-a com
brio, mas não consegui articular palavra. Queria dizer-lhe que eu não estava
ali defendendo sabores mas tão somente por fidelidade ideológica as minhas
raízes. Levantei-me e me despedi com um beijo fraterno.
Assim que a encontrar vou pedir-lhe desculpas. E às batatas,
também.