Acordo
no meio da noite. Esfrego os olhos. Respiro fundo. Caminho vacilante até a
cadeira de vime que me dá guarida nas noites vazias.
É
a voz dele, não tenho dúvida. O chapelão na cabeça . . .
“ Sozinho de noite,
nas
ruas desertas
do velho Recife
que atrás do arruado
moderno ficou , , ,
criança de novo
eu sinto que sou.”
“
Que diabo vieste fazer aqui, Ascenso ? “
Ascenso Ferreira ! Você aqui, Ascenso ? A esta
hora ! Perturbando minha alma . . . Mexendo em meus sonhos . . . Onde está a criança daquele tempo? Contemplando
o nascer do sol na ponte Buarque de Macedo ou o luar prateado no Cais do Apolo
? E o adolescente que esperava ansioso o apito do cuscuz para tomar seu café
? Quantas vezes fiquei sentado sobre a
balaustrada da ponte, de pernas penduradas, pensando na vida ? E as lembranças do adulto, da vida dura nas
fábricas ? . . . As viagens pelo interior,
a colheita do algodão, a convivência com os homens do campo, a miséria crônica,
a luta pelo desenvolvimento do Nordeste . . .
“ O rio soturno
tremendo
de frio
com os dentes batendo
nas pedras do cais
tomado de susto
sem poder falar
o rio tem coisas
para me contar ”
É isso mesmo, Ascenso. O rio tem coisas para me contar, Ascenso ! Hoje
me lembrei que, quando completei oitenta anos, isto já faz muito tempo, escrevi
o seguinte :
Madrugada Insólita
-- Amanhã vou colher a rúcula que plantei no
mês passado, usando uma semente que não
podia ter nascido. Sua validade estava vencida há mais de dois anos. Mas a
semente nasceu porque ignorou o seu prazo de validade. Eu também nasci, mas com
prazo de validade não revelado. Vou fazer o que fiz com a semente: ignorar o
prazo de validade e plantar-me a cada dia.
“Sozinho de noite
nas ruas desertas
o
rio soturno
nas
pedras do cais
criança
de novo
eu sinto que sou.”
“
Larga de ser vagabundo, Ascenso ”
Oxente
! ! ! O que foi que eu disse lá em cima ? 9 anos ? Cruz credo !
Eu
quis dizer 90 ! É pra lá que eu vou.
Lindo texto, cheio de lembranças boas e sentimentos! Uma longa jornada, cheia de emoções! Que assim continue! Forte Abraço.
ResponderExcluirMônica (esposa de Celso)
Querida Mônica, obrigado pelo seu incentivo. Ascenso Ferreira mexeu nas lembranças que deixei flutuando nas águas do Capibaribe. E elas contiuam vivas e tão certas, "Como a coruja ama a treva e o bacurau ama o luar".
ExcluirMaravilhoso Tio, eu havia me esquecido do Ascenso Ferreira. Sua Arte é repleta de Arte e de artes!!!
ResponderExcluirGratidã☀️ por compartilhar esse legad☀️ de Arte que revela o Autor e o Ator que em Ti Vive e Revela a História da qual És Escritor e Personagem Viv☀️ e Participativ☀️!!!
Grande Abraç🤗.
Obrigado Carlos. Tuas palavras me ajudam a cada replante
ExcluirGente, o que eu achei mais notável nisso tudo não foi o fato de uma semente com dois anos de vencida ter nascido, mas o fato de que alguém a semeasse e regasse, com a ESPERANÇA de que ela viesse a germinar. Você não existe, seu Severino.
ResponderExcluirMuito bom, Muitas histórias, muitas lembranças!
ResponderExcluirO cuscuz, trouxe lembranças e deu água na boca.
Na sequência lembrei do leite com nata que a Silvana e o Carlos não gostavam e ficava toda pra mim.
Aliás, vou lá daqui a pouco beber a caneca de leite com nata que a dona barbarina continua separando para mim.
Lindo texto. As pontes de recife falam realmente para quem sabe escutar.
ResponderExcluirObrigado a todos pela generosidade dos comentários.
ResponderExcluir