e REQUIEM PARA UMA ESCOLA MORTA
São três
vivos, remanescentes da primeira turma de técnicos têxteis da Escola Técnica de
Indústria Química e Têxtil criada e administrada pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial Concluímos o curso no ano de 1951. Portanto, estamos
comemorando 66 anos de formatura. Somadas , as idades dos três produzem 261
anos , o que não é pouco. A Escola, que ganhou a abreviatura de ETIQT – é agora
o CETIQT, um Centro Tecnológico de grande reputação dedicado à pesquisa e
desenvolvimento de novas tecnologias, notadamente no campo das fibras
sintéticas. O CETIQT organizou uma festa na qual, entre outras atividades,
homenageou os três vivos.
Vou comentar a festa mas antes gostaria de
entender melhor o que significa somar 261 anos. Em primeiro lugar, gostaria de
saber a idade dos três. Pouco me lembro das aulas de álgebra daquele tempo,
quando usávamos régua de cálculo. Tudo
o que sei é que um, tem dois anos a menos e o outro tem dois anos a mais do que
o primeiro. Isso me permite montar uma equação com 3 incógnitas, certo?
Portanto:
x +y +z = 261
Sei
também que:
y = x +
(x-2) e z = x + (x+2)
Então: 261 = x + (x-2) + (x+2)
Mas, como
é que eu tiro o valor de x ? Não tenho a
menor ideia. Mas observo que (x-2) e (x+2) se anulam. Então, vou dar uma
pedalada:
261= (x)
+ (x) + (x) Logo, x = 261 dividido por 3, o que me dá 87
Os outros
dois terão, obviamente 85 e 89.
Bem, volto à festa. Foi uma cerimônia bonita, como
já disse, na qual os três vivos foram
homenageados, recebendo cada um, uma placa comemorativa. Compartilhei
com Alberto Roque Perrone, o (-2) e Dirceu Amauri de Miranda, o (+2), momentos
de extrema felicidade e memórias que marcaram nossa convivência, renovando as
energias para o que ainda vem pela frente. E devo registrar que tudo isto não
teria existido se não fosse a competência e a abnegação de dois colegas membros
da Associação Brasileira de Técnicos Têxteis, Júlio Caetano e Waumy Correa na
promoção e organização do evento. A eles, nosso carinho e gratidão.
Na cerimônia, pediram-me que dissesse algumas
palavras. Aceitei, honrado, a incumbência e usei oito minutos do precioso tempo
da plateia contando como foi o início das aulas naquele mês de Março de 1949.
Reproduzo:
1 - Ilustríssimo Senhor Aguinaldo Diniz Filho,
Presidente do Conselho do SENAI . .
CETIQT
2 -
Ilustríssimo Senhor Nelson Pereira Junior, Presidente da
ABTT
3 -
Ilustríssimo Senhor Sergio Motta, Diretor-Executivo do SENAI CETIQT
4 -
Ilustríssimo Senhor Fernando Pimentel, Presidente da ABIT
Colegas da primeira turma, Dirceu Miranda e Alberto
Roque Perrone, aqui presentes ; colegas e professores das sessenta e cinco
turmas que nos sucederam na Escola Técnica de Indústria Química e Têxtil,
concebida e administrada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial ;
Senhoras e Senhores :
Nos primeiros dias de Fevereiro de 1949 desembarcavam no Rio de Janeiro
cinquenta candidatos ao curso de técnico têxtil vindos de todos os Estados do
país. Foram alojados num casarão da Rua Bela, em São Cristóvão até que ficasse
pronto o alojamento definitivo, no quarto andar do prédio que ainda hoje
existe. Submetidos a um exame de seleção, foram aprovados trinta e dois
candidatos. Formava-se, assim, a primeira turma da ETIQT.
A Escola iniciava as aulas apenas com sua estrutura
de concreto, poucas paredes e muitos andaimes. Não havia portas nem janelas. O
piso, era a laje bruta.
O barulho das betoneiras interrompia o professor
que ora fitava o chão, ora levantava o olhar para os céus, esperando sua vez de
falar.
O regime era duro: quatro horas de aulas teóricas
pela manhã, quatro horas de aulas práticas à tarde e, à noite estudo dirigido,
obrigatório, de duas horas. Ao meio dia o Alfredo, um garçom com cara de
mordomo inglês, metido em uma espécie de fraque e gravata borboleta, servia o
almoço.
O Diretor da Escola era o professor Mario Souto
Lyra, formado pelo Instituto Lowell, na Carolina do Norte. Da mesma escola vinha
o professor de tecelagem Horst Gaensli que também ocupava uma diretoria na
Fábrica Bangu. Não há como deixar de mencionar outros professores da época e o
faço sabendo que vou omitir nomes importantes pois valho-me da memória : O
professor Oldegar Vieira, de Português, introdutor do Hai Kai no Brasil, que
fundou o Caetés - Centro Acadêmico dos Estudantes ; Deolindo Dominguez Vicente, na Fiação, com
seu sotaque espanhol ; Ivo Piccoli, professor de Física, criador do “suprassumo do extrato do graveto seco” ;
Manir Japor, de Matemática, com sua muleta e perna engessada que duraram
seis meses ; Henrique Mariani no Desenho Têxtil, e suas gigantescas e
sufocantes folhas de papel milimetrado ; Emil Kwaiser com sotaque austríaco,
ensinava Mecânica Aplicada, era também professor de balística na Escola Técnica
do Exército ; O Professor Rocha , de Inglês, irmão de Carlito Rocha, o famoso
treinador do Botafogo ; Dom Gerardo, frade do Mosteiro de São Bento, no Rio, na
cadeira de História das Artes, nos ensinou a apreciar Giotto e Caravaggio.
Logo chegaram as máquinas de fiação e tecelagem as
quais foram sendo montadas com a ajuda dos alunos. Sala de abertura da Saco
Lowell, cardas, passadores e maçaroqueiras da Tweedales & Smalley, teares
Draper e Crompton. Uma atividade frenética marcada pelo cheiro do algodão cru,
um verdadeiro afrodisíaco.
Uma coisa nos distinguia das turmas de hoje: Nossos
cálculos eram feitos com régua de cálculo e tábua de logaritmos. Extrair a raiz
quadrada de um número era uma operação que exigia papel e lápis, e a comunicação com as namoradas que havíamos
deixado em nossos Estados de origem era feita com uma carta escrita a tinta,
que demorava uma semana para chegar, e muitas vezes chegava com a letra borrada
por uma lágrima furtiva .
Sessenta e seis anos se passaram. A Escola Técnica
de Indústria Química e Têxtil cresceu, transformou-se em um Centro Tecnológico
de grande reputação, expandiu suas atividades para além do simples processo de
transformação de matérias primas,
abrangendo novos segmentos da cadeia têxtil. Digno de nota, entre o seu
esforço de aprimoramento, é a recente decisão do CETIQT de transferir o seu
campus para uma área nobre da
cidade, já em pleno andamento.
Paralelamente, em 1962, criou-se a ABTT, que
congrega os profissionais têxteis e continua o seu aperfeiçoamento através de
congressos, seminários e feiras, entre outras atividades, e que desempenha hoje
um papel importante na integração Universidade/Empresa.
Em nome da primeira turma da ETQT presto aqui uma
homenagem às 65 gerações de técnicos que nos seguiram bem como ao seu Corpo
Docente que, com dedicação e carinho, foi responsável pela sua formação. Presto
também homenagem aos membros da ABTT, felicitando-os pelos
seus cinquenta e cinco anos de existência e conclamo-os a permanecerem ativos e
alertas enfrentando os desafios tecnológicos que se apresentarem, as
adversidades decorrentes das políticas econômicas, os contingenciamentos impostos por
políticas internacionais, e, acima de tudo, a complexidade e a burocracia
que prevalece na regulamentação das empresas industriais em nosso país.
E se um dia, queridos colegas, tiverem dificuldade
na execução de seus cálculos, com seus computadores, não se deixem abater. Lembrem-se ; nós usávamos régua de cálculo e
tábua de logaritmos.
... e REQUIEM PARA UMA ESCOLA MORTA
A ODE aos
vivos termina aqui. O REQUIEM fica para outra oportunidade.
Os dois outros "vivos" também paravam as pessoas na rua para examinar o tecido de suas roupas?
ResponderExcluirPara depois dizer, com um sorriso orgulhoso: "fui eu que fiz esse pano"!
:)
O "ruim" do seu blog é que não dá para parar de ler... por isso tive que ler todas as suas crônicas. Fico no aguardo de novas.
ResponderExcluirObrigado Debora, por suas palavras generosas. Foram, para mim, um incentivo importante neste marasmo intelectual por que estou passando. Estou, neste momento, em viagem fora do pais e devo retornar no inicio da segunda quinzena de Junho. Retornarei, agora com entusiasmo, a minha atividade no Blog.
ResponderExcluirAfetuosamente, Luigi
Debora,desculpe o "anônimo " acima.
ResponderExcluirEstou usando um computador emprestado e não consgui configurar a identidade.
Luigi Spreafico.