Uma história da vida real
Como qualquer empresa do ramo, das chamadas “ mão-de-obra intensiva”, a Rio Branco trava
uma batalha diária na luta pela competitividade: reduzir custos. É deles que
depende a sobrevivência da empresa. E essa é a principal responsabilidade do
diretor técnico: o nosso Roberto.
Roberto é um executivo exemplar. Ele sabe que precisa de
pulso firme se quiser obter resultados. Do faxineiro ao gerente, todos os
dependentes devem ser treinados, orientados, motivados e ... fiscalizados. Para deixar claro o seu papel, Roberto criou
um mote, que alardeia por entre as máquinas, a título de advertência: “Empresa
não tem alma”. Quando reunia seus gerentes, ele começava:
Roberto
–“ Não se iludam, companheiros,
empresa não tem alma. Prestem atenção ao serviço! Tem que trabalhar direito! Empresa
não tem coração, empresa só tem cérebro.”
Pois um dia, o dia chegou. A fábrica perdia competitividade.
As vendas caiam. Os concorrentes começavam a incomodar. Era preciso fazer uma
reestruturação. Roberto reformulou produtos, simplificou operações, remanejou
funções. Resultado: sobraram gerências. O que significava extingui-las. Demitir
gerentes. É assim mesmo. “Empresa não
tem alma”.
Entre elas está a gerência do Arthur.
Roberto o conhece bem. Funcionário exemplar, competente,
afável no trato com os
companheiros, não havia nada que pudesse justificar sua demissão. Mas a gerência dele não existe mais. Ele está sobrando, ponto final. Tem que ser
demitido. Arthur chegou aos 48 anos, idade na qual, segundo a tradição
administrativa que herdamos dos norte-americanos, o executivo deve ser
defenestrado. ( ao contrário do Japão onde, nas empresas, “ninguém é nada antes
dos sessenta anos” ). O executivo que perder o emprego perto dos cinquenta anos
de idade terá que sair à cata de outro com o cuidado de não dizer “estou desempregado”. Ele terá que dizer: “estou no mercado”.
Arthur se notabilizara não só pela sua
competência técnica mas também pela
fertilidade de sua esposa que
correspondera à pujança do marido contemplando-o com oito filhos. Oito! Uma
escadinha etária cujo primeiro degrau beira os seis anos e o último alcança os
umbrais da universidade.
Um sentimento de piedade começa a
abalar o nosso valente Roberto. Aquelas oito almas não lhe saem da cabeça. O
que seria daquela família com o pai desempregado? Ainda mais um técnico que só
sabe fazer pano? Roberto começa a
fraquejar. Seu conflito aumenta. Se não
demitisse o gerente esvaziado estaria traindo a empresa a que serve e isto o
deixaria desonrado profissionalmente. Sentia-se mal até porque o posto que
ocupava era um posto de confiança. Roberto brigava com a razão. Mas o coração
prevaleceu. Não iria deixar oito almas desamparadas. E resolveu o problema de
forma que lhe pareceu racional: criou um apêndice junto à gerência de controle
de qualidade, mantendo, portanto o seu status, com o título de “Setor de
Acompanhamento de Atividades E1speciais”, reportando-se diretamente ao Diretor
Técnico.
Em paz com a sua consciência, nessa noite, Roberto dormiu o
sono dos justos. No dia seguinte chamou
o Arthur e, para não lhe criar criar um
constrangimento, não falou em demissão mas apenas em “ remanejamento “.
Roberto – “Arthur, com a reorganização da
fábrica a tua gerência foi extinta. Você passa para um setor especial com todos
os teus direitos garantidos, inclusive teu status hierárquico”.
Arthur – “ Ainda bem, né, chefe. Não se fala de
outra coisa a não ser das demissões”.
Roberto -- “Aqui está o teu novo “job description” . Se tiver alguma dúvida me
procure. Ah, mais uma coisa, você continua na mesma sala, viu? Isso vai evitar
fofocas.”
Missão cumprida e bem executada. A paz invade o coração de
Roberto, orgulhoso de sua boa ação embora tendo cometido um pequeno arranhão na
fidelidade que deve à sua empresa.
Passaram-se os tempos, mas não muitos. O trabalho seguia, em
plena harmonia, perseguindo seu objetivo primordial: cortar custos. Um dia
nosso generoso Diretor Técnico é chamado ao gabinete do Conselho Administrativo.
É recebido por Mafalda, Presidente.
Curto e grosso:
Mafalda – “Senhor Roberto! Fique sabendo que a
minha empresa não está aqui para sustentar vadios. O Arthur veio aqui me dizer
que está se sentindo ocioso no lugar que ocupa. Que diabo você andou fazendo?
Perplexo, Roberto começa a gaguejar:
Roberto – “Mas, como? ... O Arthur?... O que acc...acccc...aconteceu? O Arthur...
a reestrut.... eu fiz uma reorg
... Ele disse isso?”
Mafalda – “Eu não quero explicações. Eu quero
soluções! E rápido. Pode sair”.
Roberto saiu
cabisbaixo, trêmulo, tropeçando nos próprios sapatos. Não podia acreditar. O
Arthur! Oito filhos. Chegando aos cinquenta anos. Fazendo pano. Aquela anta! Roberto chegou na
sua sala e desabou na cadeira. Estava lívido, de uma lividez transparente pela
qual se podia ver a sua alma sofredora. Mandou chamar o Arthur.
Roberto -- “Arthur... Arthur... como é possível ... você
Arthur... você ocioso... Foi dizer isso para minha chefe, Arthur? Que está ocioso, Arthur? Foi dizer isso pro
patrão, Arthur?. Ficou maluco? Com cinquenta anos? Com oito filhos,... onde
você está com a cabeça, Arthur,... fazer uma besteira dessas Arthur, o errado aqui sou eu, você não tinha
nada a ver, .... nem a hierarquia você respeitou.... Arthur, que diabo você fez, Arthur
...... Onde já se viu ?!!! Oito filhos!!!! Fala, Arthur! ... Fala, ... fala... fala, ... abre a boca, infeliz! ...
... ...
Arthur? ... Arthur?..... Você está demitido ... Arthuuuuur.”
Que é feito do Severino Mandacaru ?
ResponderExcluirExistem poucos Robertos, mas Arthurs sobram mundo afora.
ResponderExcluirMenos no Japão😊
ResponderExcluirReforço a opinião do amigo Guilherme, realmente sobram Arthurs, e faço uma breve análise sobre o comportamento de ambos (Roberto e Arthur), ou melhor, dos Robertos e dos Arthurs. Normalmente nas decisões gerenciais existe pouca sensibilidade por parte do time para entender as verdadeiras razões que permeiam uma atitude e não falo sob o ponto de vista técnico, de custeio ou algo material, mas exatamente como, no bem elaborado texto do Luigi, sim, digo do ponto de vista emocional, sentimental, passional até, ou seja, a equipe, no seu todo, não consegue compreender os motivos de dadas decisões e termina chegando a opiniões equivocadas ou cometendo erros grotescos em função de tal. Falta-lhes visão holística.
ResponderExcluirMas isto não é característica exclusiva do time, pois aos gerentes faltam-lhe sensibilidade humana também e eis as razões de tentos gerentes maus, que olvidam o verdadeiro capital das empresas: o ser humano, sim, este mesmo.
Publiquei um texto no linkedin em 2016 que fala sutilmente sobre esse perfil de gerente, se puderem ler, segue o link.
Um abraço.
https://www.linkedin.com/pulse/idade-da-pedra-carlos-abel-costa-santos/
Prezado Carlos:
ExcluirObrigado pelo seu comentário, muito esclarecedor, e que complementa a minha história. A história é real. Aconteceu em uma das fábricas que dirigi. Obviamente, a atitude do Arthur foi desastrada. Mas eu não me arrependo do que fiz. E o fiz pelos filhos do Arthur. A Empresa era suficientemente grande. E o meu conflito razão/coração não era menor. Venceu o coração.
Vou ler o teu texto no Linkedin.
Abração. Luigi