19 julho 2015

Reformas e Crises



Reformas e Crises

                                                                                     Gastão, rei dos vagabundos
                                                                                     Não teme crise ou desgraça
                                                                                     Pois só deposita seus fundos
                                                                                     No melhor banco da praça

                                                                                                                  Orlando Brito                                                                                                                                                                                                                      
                                                                            
Gastamos rios de tinta e toneladas de papel – para não falar dos milhões de bites e baites que são evaporados nas telas dos computadores – para discutir a reforma política no País.  A reforma política não vai mudar nada. Nas condições em que estamos, o Brasil precisa de uma reforma administrativa. O que vemos hoje é uma degradação contínua nos serviços da administração pública e uma deterioração crescente na produtividade da empresa privada.
A complexidade da legislação tributária, das normas ambientais, das normas para o comércio exterior, das regras de postura, da legislação trabalhista e da necessária, porém precipitada “inclusão digital”, afetam seriamente a produtividade da economia como um todo. Um emaranhado de leis herméticas que mudam a toda hora, afeta seriamente a gestão no setor privado, sobretudo na pequena empresa. Perguntem a qualquer quitandeiro quanto ele gasta na compra do “software” que é obrigado a usar  para atender  ao controle fiscal, quanto paga para atualizá-lo, quanto paga pela licença de operação e quanto paga   pela banda larga,  ridícula até no nome, pela estreiteza dos seus serviços. Pergunte, também,  se o seu Contador consegue se manter em dia com as tabelas do imposto – o ICM, a substituição tributária e o escambau - que a birosca  deve recolher.

É sabido que administrar um país envolve, entre outras coisas, definir  prioridades entre os setores da economia que o levarão a alcançar um determinado  produto  -  que os economistas chamam de “interno” e “bruto”. Nessa definição haverá conflito de interesses entre os diversos segmentos da sociedade. Portanto, será preciso partir de regras pré-estabelecidas, fixadas pelos poderes Legislativo e Executivo que, por sua vez, deverão contar com pessoas  de bom senso,  competência técnica e retidão moral para definir o que é de quem.

Então vejamos um pouco do que foi feito: nossas cidades estão entupidas de automóveis que são utilizados por pessoas  para os mais diversos fins: trabalhar, levar crianças à escola, ir à praia no domingo, ao hotel fazenda no fim de semana ou tomar sorvete na esquina. Um  carro médio  pesa novecentos quilos. Daí que precisamos gerar energia suficiente para deslocar novecentos quilos e,  com essa energia, transportar de oitenta a, no máximo, trezentos quilos de gente. O trânsito, em qualquer cidade grande,  é caótico e os engarrafamentos  além de representarem um custo elevado pela perda de tempo  estão produzindo cidadãos neuróticos e famílias desequilibradas. E o que fez o Governo?  Concedeu isenções fiscais à indústria automobilística e reteve o preço dos combustíveis.  Ao mesmo tempo, estimulou o crédito para a compra de carros novos com taxa de juros zero. O automóvel que temos hoje, sedutor com sua curvas sensuais e parafernália eletrônica, é, na realidade, um meio de transporte obsoleto.  No entanto, todo o esforço do Governo foi dirigido para a produção de combustíveis fósseis e pouco se fez na pesquisa de fontes alternativas de energia.

E, por falar em crédito, convém examinar como funciona essa grande  praga da economia, imanente ao sistema capitalista. É obvio que o crédito ao consumidor estimula o consumismo desenfreado. Estava certo o Carlinhos Marx quando previu que o exacerbado consumismo do sistema capitalista levaria  a desordens sociais. E quem chamou a atenção para isso, algum tempo atrás,  foi  ninguém menos do que o sociólogo Zygmunt Bauman  ao analisar os violentos  distúrbios ocorridos na outrora disciplinada cidade de Londres. Segundo noticiaram os jornais, Bauman afirmou  que  “as imagens de caos na capital britânica nada mais representam que uma revolta motivada pelo desejo de consumir, e não por qualquer preocupação maior com mudanças na ordem social.  Londres viu os distúrbios do consumidor  excluído e insatisfeito”. Foi o que ele disse.
Mas, e o crédito? O que tem a ver com as crises? Todos se lembram da enrascada em que se meteram os Estados Unidos poucos anos atrás com a crise do setor imobiliário.  As vendas de imóveis financiados disparou e o sistema, descontrolado, entrou em colapso.

Como dizia o meu amigo Severino Mandacaru, diferentemente do crédito que se concede ao investimento, o crédito ao consumo permite que se coma a macaxeira antes de ser plantada. Através de cartões de crédito, carnês, cheques pré-datados, empréstimos bancários, notas promissórias, cadernetas do armazém e fios de bigode as pessoas vão comendo aquilo que ainda não foi produzido. Com um agravante.  Por esse “empréstimo”, o consumidor terá de pagar uma remuneração – os juros – que será agregada ao total devido. Os juros são um bem metafísico, que não tem contrapartida no sistema produtivo. Portanto, não contribuirão para a  produção da macaxeira. O crédito vicia  e vicia como qualquer droga química. Pior ainda, porque não deixa sinais exteriores. Muitas crises econômicas, em muitos países, foram geradas  sem que se percebesse,  porque a sociedade, como um todo, começou a comer aquilo que ainda não havia sido produzido.
 Quando inventou  o  crédito bancário na forma que aí está, o capitalismo não se deu conta que de que aquilo não teria fim, e começou a distribuir bens em troca de papéis que constituíam apenas uma promessa de pagamento devidamente acompanhada, é claro, dos respectivos  juros, isto é, dinheiro imaginário  -  hoje nem papel se usa mais, apenas telas de computador, cruz credo - e assim, quando os americanos foram procurar o seu “fried chicken”,  os alemães suas batatas, os italianos sua polenta e os franceses  seu  camembert,  só encontraram papel.  E explicações melosas em telas de computador.

 Por ocasião da crise americana quem falou sério, mostrando coragem e bom humor, escancarando a verdade, foi o economista francês Jacques Attali que declarou:  “Nos Estados Unidos as moratórias do setor privado já começaram e que um calote da dívida pública americana só não ocorrerá graças à impressão de dólares”. O que significa mais papel.  Atalli disse mais: “ O mestre dos Estados Unidos não é nem Keynes nem Schumpeter,  é Madoff e sua capacidade de construir dívidas”.  Madoff,   vocês se lembram,  foi o espertalhão que deu um golpe de 65 bilhões de dólares no mercado financeiro americano.  Adotando um sistema de venda de quotas de fundos em forma de pirâmide, criado por um tal de Ponzi, um imigrante italiano que teve muito sucesso nisso até ir para a cadeia.  Madoff  arrecadou dinheiro no mundo inteiro, até a pirâmide ruir. Foi condenado a 150 anos de prisão como se o fato de cumprir a pena na sepultura pudesse restituir o dinheiro que roubou dos incautos.
“... E la nave va. "  como diria Felini.

Não  adianta.  Reforma política não mudará nada. Basta ver o que se discute no Congresso Nacional e como se comportam seus habitantes. O que precisamos é de uma reforma administrativa do Estado. E será bom, também, começar a aperfeiçoar o Capitalismo. Os outros ismos não deram certo. Tratemos de salvar este, que já está obsoleto. Como os carros. O face book  acabará por desmoralizá-lo.

Esqueçamos a reforma política. Façamos a reforma administrativa e rezemos para que dê certo. Caso contrário, seremos obrigados  a pensar na reforma do ser humano.


Em tempo: Na sua página de hoje, 3 de Agosto de 2015,  Ancelmo Gois publica a seguinte nota:

Pós-capitalismo
“A Companhia das Letras comprou os direitos de “Pós-capitalismo”, livro do jornalista inglês Paul Mason, que vem causando polêmica na Inglaterra. Segundo ele, o capitalismo como o conhecemos está no fim, por causa das mudanças tecnológicas dos últimos 25 anos, que reduziram de forma drástica a necessidade do trabalho.”

Obrigado, Ancelmo.  




5 comentários:

  1. Eu não disse? Prioridades ... prioridades ...
    Vejam o que O Globo publicou hoje, 20 de Julho de 2015, em chamada na primeira página:
    Manchete:
    “Indústria automobilística conta
    com benefícios acima da média”

    “Estudo do Instituto de Economia da UFRJ revela disparidades nos impostos de importação no Brasil. A indústria automobilística é a de maior proteção: 127% , contra a média de 26% nos demais setores industriais.
    O cálculo considera as tarifas de importação dos bens e de seus insumos. Marta Castilho, autora do trabalho, defende correção de distorções.” Página 15

    Na matéria interna, que se encontra na página 17 e não na 15 como indicado no jornal, a jornalista Lucianne Carneiro analisa o estudo feito pelo Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ e do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), evidenciando o as distorções no nível de proteção concedido aos diversos setores industriais.
    Marta Reis Castilho, coordenadora do estudo, afirma: “Mais do que uma redução precisamos de uma racionalização da estrutura tributária. As distorções precisam ser corrigidas, mas não se pode perder a proteção às importações como instrumento da política industrial.”
    Outro trecho interessante da reportagem: “Na avaliação do economista- chefe
    do (Iedi), Rogério César de Souza, a estrutura tributária é “uma colcha de retalhos.” Segundo ele as mudanças feitas nos últimos anos criaram muitas exceções e não foram usadas para a criação de uma política industrial.”
    Prioridades..., meus irmãos, prioridades ...



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  2. Muito bom, concordo plenamente e assino em baixo.
    Temos que parar de caçar os corruptos e juntar forças para construir nossas instituições como elas devem ser, pensar e mudar os estatutos, se comportar como se a cidade fosse nossa!
    Sem parar vemos os abusos dos governantes, dos políticos de uma forma geral, das autoridades de toda espécie, policiais, exército, repartições públicas e etc que fazem o que bem entendem, que dizem o que bem entendem, que abusam de poder publicamente, que se beneficiam publicamente sem nenhum pudor ou receio porque estão completamente blidadas administrativamente, montaram ao longo dos anos da nossa inação, estatutos, leis, regras, convenções completamente distorcidas a seu favor que nenhum cidadão nem mesmo autoridades conseguem tomar atitudes corretivas.

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  3. ... E la nave vá.
    Hoje é 22 de Julho e o dia apenas começou. No seu artigo semanal de O Globo “A cabeça dos oligarcas” o jornalista Elio Gaspari discute as falcatruas domésticas e as ilustra com um exemplo ocorrido no exterior. Sabem com quem? O Madoff cujo primeiro nome - Bernard – eu não lembrava e que, fiquei sabendo agora, ainda está vivo. Escreve Elio Gaspari:
    “Veja-se por exemplo o que aconteceu ao vigarista americano Bernard Madoff: na manhã de 11 de setembro de 2001 ele sabia que seu esquema de investimentos fraudulentos estava podre. (Era um negócio de US$ 65 bilhões.) Quando dois aviões explodiram nas torres gêmeas de Nova York e elas desabaram, matando três mil pessoas, ele pensou: “ Ali poderia estar a saída. Eu queria que o mundo acabasse”. Madoff contou isso na penitenciária onde, aos 77 anos, cumpre uma pena de 150 anos”.

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  4. Olha essa Charge aqui

    https://www.google.co.uk/search?q=carros+mais+charge&es_sm=91&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0CAcQ_AUoAWoVChMIpcucodL9xwIVzOsaCh0glQ0f&biw=1291&bih=750#imgrc=TdjsQXkGLPf1aM%3A

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  5. Retifiquei o nome do autor da trova que encabeça esta crônica. É Orlando Brito, e não Agildo Mieli, como constava. Orlando Brito é um trovador de Nova Friburgo e muito amigo do Agildo. Suas trovas são geniais. Vejam esta outra:
    "Tendo um corpo de violino
    e de escrúpulos precários,
    Dadá, a mulher do Lino,
    sempre foi extra-de-vários."

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