Reformas e Crises
Gastão, rei dos vagabundos
Não teme
crise ou desgraça
Pois só deposita seus fundos
No melhor banco da praça
Orlando Brito
Gastamos rios de tinta e toneladas de
papel – para não falar dos milhões de bites e baites que são evaporados nas
telas dos computadores – para discutir a reforma política no País. A reforma política não vai mudar nada. Nas
condições em que estamos, o Brasil precisa de uma reforma administrativa. O que
vemos hoje é uma degradação contínua nos serviços da administração pública e
uma deterioração crescente na produtividade da empresa privada.
A complexidade da legislação tributária,
das normas ambientais, das normas para o comércio exterior, das regras de
postura, da legislação trabalhista e da necessária, porém precipitada “inclusão
digital”, afetam seriamente a produtividade da economia como um todo. Um
emaranhado de leis herméticas que mudam a toda hora, afeta seriamente a gestão
no setor privado, sobretudo na pequena empresa. Perguntem a qualquer
quitandeiro quanto ele gasta na compra do “software” que é obrigado a usar para atender ao controle fiscal, quanto paga para
atualizá-lo, quanto paga pela licença de operação e quanto paga pela banda larga, ridícula até no nome, pela estreiteza dos
seus serviços. Pergunte, também, se o
seu Contador consegue se manter em dia com as tabelas do imposto – o ICM, a substituição
tributária e o escambau - que a birosca deve recolher.
É sabido que administrar um país
envolve, entre outras coisas, definir prioridades entre os setores da economia que o
levarão a alcançar um determinado produto
- que os economistas chamam de
“interno” e “bruto”. Nessa definição haverá conflito de interesses entre os
diversos segmentos da sociedade. Portanto, será preciso partir de regras
pré-estabelecidas, fixadas pelos poderes Legislativo e Executivo que, por sua
vez, deverão contar com pessoas de bom
senso, competência técnica e retidão moral
para definir o que é de quem.
Então vejamos um pouco do que foi
feito: nossas cidades estão entupidas de automóveis que são utilizados por
pessoas para os mais diversos fins:
trabalhar, levar crianças à escola, ir à praia no domingo, ao hotel fazenda no
fim de semana ou tomar sorvete na esquina. Um
carro médio pesa novecentos
quilos. Daí que precisamos gerar energia suficiente para deslocar novecentos
quilos e, com essa energia, transportar de
oitenta a, no máximo, trezentos quilos de gente. O trânsito, em qualquer cidade
grande, é caótico e os engarrafamentos além de representarem um custo elevado pela
perda de tempo estão produzindo cidadãos
neuróticos e famílias desequilibradas. E o que fez o Governo? Concedeu isenções fiscais à indústria
automobilística e reteve o preço dos combustíveis. Ao mesmo tempo, estimulou o crédito para a
compra de carros novos com taxa de juros zero. O automóvel que temos hoje,
sedutor com sua curvas sensuais e parafernália eletrônica, é, na realidade, um
meio de transporte obsoleto. No entanto,
todo o esforço do Governo foi dirigido para a produção de combustíveis fósseis
e pouco se fez na pesquisa de fontes alternativas de energia.
E, por falar em crédito, convém
examinar como funciona essa grande praga
da economia, imanente ao sistema capitalista. É obvio que o crédito ao
consumidor estimula o consumismo desenfreado. Estava certo o Carlinhos Marx quando previu que
o exacerbado consumismo do sistema capitalista levaria a desordens sociais. E quem chamou a atenção
para isso, algum tempo atrás, foi ninguém menos do que o sociólogo Zygmunt
Bauman ao analisar os violentos distúrbios ocorridos na outrora disciplinada
cidade de Londres. Segundo noticiaram os jornais, Bauman afirmou que “as
imagens de caos na capital britânica nada mais representam que uma revolta
motivada pelo desejo de consumir, e não por qualquer preocupação maior com
mudanças na ordem social. Londres viu os
distúrbios do consumidor excluído e
insatisfeito”. Foi o que ele disse.
Mas, e o crédito?
O que tem a ver com as crises? Todos se lembram da enrascada em que se meteram
os Estados Unidos poucos anos atrás com a crise do setor imobiliário. As vendas de imóveis financiados disparou e o
sistema, descontrolado, entrou em colapso.
Como dizia o meu amigo Severino
Mandacaru, diferentemente do crédito que se concede ao investimento, o crédito
ao consumo permite que se coma a macaxeira antes de ser plantada. Através de
cartões de crédito, carnês, cheques pré-datados, empréstimos bancários, notas
promissórias, cadernetas do armazém e fios de bigode as pessoas vão comendo aquilo
que ainda não foi produzido. Com um agravante. Por esse “empréstimo”, o consumidor terá de
pagar uma remuneração – os juros – que será agregada ao total devido. Os juros
são um bem metafísico, que não tem contrapartida no sistema produtivo. Portanto,
não contribuirão para a produção da
macaxeira. O crédito vicia e vicia como
qualquer droga química. Pior ainda, porque não deixa sinais exteriores. Muitas
crises econômicas, em muitos países, foram geradas sem que se percebesse, porque a sociedade, como um todo, começou a
comer aquilo que ainda não havia sido produzido.
Quando
inventou o crédito bancário na forma que aí está, o
capitalismo não se deu conta que de que aquilo não teria fim, e começou a distribuir
bens em troca de papéis que constituíam apenas uma promessa de pagamento devidamente
acompanhada, é claro, dos respectivos juros, isto é, dinheiro imaginário - hoje
nem papel se usa mais, apenas telas de computador, cruz credo - e assim, quando
os americanos foram procurar o seu “fried chicken”, os alemães suas batatas, os italianos sua
polenta e os franceses seu camembert, só encontraram papel. E explicações melosas em telas de computador.
Por ocasião da crise americana quem falou
sério, mostrando coragem e bom humor, escancarando a verdade, foi o economista
francês Jacques Attali que declarou: “Nos
Estados Unidos as moratórias do setor privado já começaram e que um calote da
dívida pública americana só não ocorrerá graças à impressão de dólares”. O
que significa mais papel. Atalli disse
mais: “ O mestre dos Estados Unidos não é nem Keynes nem Schumpeter, é Madoff e sua capacidade de construir
dívidas”. Madoff, vocês
se lembram, foi o espertalhão que deu um
golpe de 65 bilhões de dólares no mercado financeiro americano. Adotando um sistema de venda de quotas de
fundos em forma de pirâmide, criado por um tal de Ponzi, um imigrante italiano
que teve muito sucesso nisso até ir para a cadeia. Madoff
arrecadou dinheiro no mundo inteiro, até a pirâmide ruir. Foi condenado
a 150 anos de prisão como se o fato de cumprir a pena na sepultura pudesse
restituir o dinheiro que roubou dos incautos.
“... E la nave va. " como diria
Felini.
Não adianta. Reforma política não mudará nada. Basta ver o
que se discute no Congresso Nacional e como se comportam seus habitantes. O que
precisamos é de uma reforma administrativa do Estado. E será bom, também, começar a aperfeiçoar o Capitalismo. Os outros ismos não deram certo. Tratemos de salvar este, que já está obsoleto. Como os carros. O face book acabará por desmoralizá-lo.
Esqueçamos a reforma política. Façamos
a reforma administrativa e rezemos para que dê certo. Caso contrário, seremos
obrigados a pensar na reforma do ser
humano.
Em
tempo: Na sua página de hoje, 3 de
Agosto de 2015, Ancelmo Gois publica a
seguinte nota:
Pós-capitalismo
“A Companhia das Letras comprou os
direitos de “Pós-capitalismo”, livro do jornalista inglês Paul Mason, que vem
causando polêmica na Inglaterra. Segundo ele, o capitalismo como o
conhecemos está no fim, por causa das mudanças tecnológicas dos últimos 25 anos,
que reduziram de forma drástica a necessidade do trabalho.”
Obrigado,
Ancelmo.