Queridos
colegas, irmãos nas letras:
Escrever,
para nós, tornou-se penoso. É o que concluo a julgar pelo volume do material
postado nas últimas semanas. Será inócuo perscrutar nas mentes o que nos
reduziu a isso. Mas não será inútil tecer (é o meu ofício) algumas considerações
em torno do impasse.
Agora
entendo melhor a inquietação do Severino Mandacaru quando, debatendo-se em seu
conflito sobre o desequilíbrio entre escrita e leitura, teve um surto de
demência. Ele chegou à conclusão de que não haveria leitores suficientes para
absorver tudo o que se publica. Lembram-se que, no seu desvario, chegou a
propor que se calculasse a quantidade de livros existentes nas livrarias de
todo o mundo, num determinado momento - seria um corte no tempo - e se
comparasse com o número de leitores disponíveis. Deu início ao seu projeto
contando os volumes de uma livraria
considerada padrão e chegou à expressiva cifra de 86.400 livros, contados nas
prateleiras. Isso numa livraria, numa cidade, num só país. Estender a pesquisa
a nível universal seria um trabalho inimaginável, tanto pela magnitude como
pelo primitivismo da metodologia, e isto o enlouqueceu. Aparentemente.
Severino
não estava tão maluco assim. Porque um dia depois que ele postou seu devaneio
(“Escrever” – 8 de Agosto de 2010), uma segunda feira, o suplemento
“Digital” do Globo publicou a seguinte matéria do Google:
“Todo
o bibliófilo que se preza já alimentou,
em algum momento da vida, a inocente esperança de ler todos os livros do
mundo”. Em seguida o artigo informa que,
de acordo com uma pesquisa realizada, o mundo tem hoje 129.864.880 livros
editados. Se multiplicarmos esse número pela quantidade de livros impressos em
cada edição teremos, com algumas abstrações, o número que Severino buscava.
Depois
disto não posso deixar de voltar ao assunto que ocupou nossas cabeças - e
nossos corações - no “Depois da Oficina” quando, no auge da criatividade e inflados
pelos elogios de professores e colegas, cogitamos de publicar nosso livro de
crônicas bancando, nós mesmos, a edição. Não seria difícil... existem pequenas
editoras que cuidam disso... os custos são baixos... e por aí vai. Ou foi.
O escritor italiano Umberto Eco (“O Nome da Rosa” - quem não leu o livro ou viu o filme?)
tratou desse assunto com muita propriedade. Podemos discordar dele mas não
podemos ignorá-lo. Vejamos o que escreveu:
“Nos
anos 70 comecei a me ocupar dos autores que chamei de Quarta
Dimensão. A denominação vinha do
fato de que eu definia como Primeira Dimensão a da obra em forma de manuscrito e, como Segunda Dimensão, a da obra publicada
por um editor sério. Calculando como Terceira Dimensão a do sucesso (visto que
muitos autores, até excelentes, permanecem segregados na Segunda, destinados à
picotadora ou aos “remind me later”)
eis que identifiquei a Quarta, aquela dos autores “auto-financiados”, em geral
publicados por editoras especializadas em explorar esses talentos justamente
incompreendidos.
Mas,
em suma, ao fazer aquela pesquisa, cheguei a recolher uma pequena biblioteca de
autores editados à própria custa que hoje, trinta anos depois, tem todas as
condições para entrar no mercado do antiquariato”.
Em
que pese o quadro desanimador que se apresenta ao escritor principiante, acho
oportuno avançar um pouco mais na discussão do tema e me permito fazê-lo com o
beneplácito que se concede aos leigos. O fato de um texto não lograr êxito
junto aos editores não deve constituir motivo de desânimo. Vocês devem se
lembrar do que a crítica disse da peça Um Elefante no Caos, de Millor Fernandes. Pois bem, Umberto Eco colecionou
uma lista enorme de críticas recebidas por escritores desconhecidos e que se
tornariam famosos um dia. Encontra-se em “Memória Vegetal” – Record, 2010:
Em
1851, Moby Dick foi recusado na Inglaterra com a seguinte avaliação: “Não
achamos que podemos funcionar no mercado da literatura para jovens. É longo, de
estilo antiquado e cremos que não merece a reputação de que parece gozar”.
Flaubert,
em 1856, viu repelida sua Madame Bovary com esta carta: “Cavalheiro, o senhor sepultou seu romance num
cúmulo de detalhes que são bem desenhados mas totalmente supérfluos”.
De
Emily Dickinson, o primeiro manuscrito de poemas foi rejeitado em 1862
com: “Dúvida. As rimas estão todas
erradas”.
Quanto
ao nosso século, eis alguns exemplos:
Colette,
Claudine na Escola,1900: “Não conseguiria vender nem dez exemplares”
Henry
James, A Fonte Sagrada, 1901: “Decididamente, dá nos nervos... ilegível. O
sentido do esforço torna-se exasperante ao máximo grau. Não há história”.
James
Joyce, Dedalus, 1916: “ No final do livro, tudo se desintegra. Tanto a escrita
quanto as idéias explodem em fragmentos meio úmidos como polvorim molhado”.
Francis
Scott Fitzgerald, Este Lado do Paraíso, 1920: “A historia não chega a uma
conclusão. Nem o caráter, nem a carreira do protagonista parecem chegar a um
ponto que justifique o final. Em suma, parece que a história não se conclui”.
Faulkner,
Santuário, 1931: “Meu Deus, meu Deus, não podemos publicá-lo. Acabaremos todos
na prisão”.
George
Orwell, 1945, A Revolução dos Bichos: “ Impossível vender histórias de animais
nos USA”.
A
lista segue, extensa, interessante, mas seria cansativo continuá-la. O que não se pode deixar de ler é o parágrafo com que Umberto
Eco encerra o seu texto “A Loucura
dos Especialistas” :
“O
que nos impressiona, nessas histórias, é que se trata de avaliações
contemporâneas, feitas no calor dos fatos. Como para nos avisar que convém
deixar as obras de arte em repouso, como os vinhos” .
Queridos
colegas, coragem! Não há porque chorar se nos estraçalham. Provavelmente o
merecemos. E, nesta caso, choremos. De qualquer modo, nos dias de hoje tudo é
mais fácil. A rede dos Especialistas expandiu-se de tal maneira que é possível
diluir as magoas que eles provocam bem como precaver-se dos excessos
laudatórios com os quais, raramente, é
verdade, somos brindados. Se você receber elogios alegre-se e vá em frente. Se
você receber uma avaliação condenando o seu trabalho, alegre-se também, procure
entendê-la, e continue trabalhando. Porque o que dói mesmo é não receber nada. A indiferença dói mais do
que a ofensa. E aí, não sei o que dizer. Você pode ser apenas um gênio
incompreendido ou um grande talento, que precisa deixar suas obras descansando.
“Como os vinhos”.
Luigi, que crônica gostosa!!!Que verdade doída e quão delicioso seria sair daqui para um lançamento seu. Pense nisso. Grande abraço!
ResponderExcluirShirley
Luigi, prazer em conhecê-lo!
ResponderExcluirConheci-o há poucos minutos e já o citei numa discussão no LinkedIn em torno desta pergunta: "Escritor autodidata, tem espaço no mercado editorial?"
Disse eu, entre outras coisas:
"Luigi Spreafico, um engenheiro amante da 'literatura, teatro, cinema de arte, vinhos e culinária' por outro lado questiona: 'por que um escritor que escorrega na sintaxe e nas vírgulas não pode ser lido? O que ele precisaria, obviamente, era ter algo de interessante e bonito para contar.'"
Já vi que você é um bom contador de histórias e um bom argumentador, além de escrever bem.
Já publicou algum livro?
Até,
Abel
Obrigado, Abel
ResponderExcluirNão tenho frequentado o Linkedin pois ando meio distraído. Passarei por lá a qualquer momento.