Mentir,
mentimos todos. A partir da mentirinha inocente, a chamada mentira social,
supostamente destinada a proteger o destinatário ou preservar o mentiroso, até a mentira criminosa que calunia, difama e
leva o incauto à ruína. Ou mesmo a brincadeira estúpida com que se comemora o
dia 1° de Abril.
Certo dia
deixei minha primeira motocicleta estacionada na calçada da escola onde
estudava . Em plena aula entra um colega e me diz: -“Roubaram a tua motocicleta” Ao ver-me
empalidecer e fechar os olhos o idiota grita: “Primeiro de Abril! Eu não tive
um infarto porque naquela época eu tinha vinte anos.
Aprendi
cedo que uma mentira, por mais bem
intencionada que seja, pode causar um dano irreparável. Quando nasceu o meu
primeiro filho eu morava no Chile.
Naquela época, eu dispunha de automóvel -
um carrão enorme que me deixava
encabulado - com o qual levava a
criança para a escola. Para que ele aprendesse que a vida poderia ser diferente
daquela que tínhamos eu o levava, de vez em quando, a passear de ônibus.
Nos anos
sessenta havia em Santiago uma espécie de micro-ônibus a que chamavam de “liebre”. No inverno as
janelas da liebre permaneciam fechadas e
o fedor dentro do ônibus era inevitável, o que fazia parte do meu ensinamento.
Um domingo saímos para o passeio costumeiro
e como o ônibus demorasse a chegar propus a meu filho que voltássemos para
casa. Ele insistiu com o passeio. Depois de muitas tentativas sem que ele
cedesse eu, já cansado, resolvi inventar
uma desculpa para não tomarmos o ônibus: Havia esquecido de levar dinheiro.
-“Se me
olvidó la plata” - disse eu triunfante. A criança de quatro anos me olhou
fixamente e permaneceu parada. Eu continuei andando, encabulado, sem olhar para
trás. De repente senti sua pequena mão estalar de encontro ao meu bolso traseiro,
onde costumava guardar algumas cédulas.
-“Si que
tu tienes ! – exclamou.
O ônibus
passou alguns minutos depois. Foi a eternidade mais longa da minha vida.
Entramos em silêncio e assim ficamos até o fim da viagem. Eu envergonhado e ele
ferido. Ambos sabíamos que eu havia feito uma coisa muito feia.
“Si que
tu tienes”. A mentira é nefasta, qualquer que seja ela. Cometida contra uma
criança é um ato ignóbil, deletério, devastador. Isso eu aprendi cedo e tenho
tomado muito cuidado.
Os
críticos literários dizem que quem escreve memórias mente sempre. Oscar Wilde também dizia isso.
Mas eu discordo.
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