Eu descia pela trilha que parte
do povoado de Nistisí, no alto da montanha, e desce até alcançar as margens do
lago de Iseo nos contrafortes dos Alpes italianos. É um caminho íngreme que
servia de estrada para as mulas no transporte do trigo. Quatro ou cinco moinhos
distribuídos ao longo da encosta utilizavam, sucessivamente, a água do riacho
que se formava no topo da colina. As mulas traziam, de volta, a farinha. Depois
que se construiu a estrada asfaltada, a trilha permaneceu intata serpenteando
montanha abaixo à sombra dos bosques e coberta por pedregulhos arredondados,
fruto da passagem das águas do degelo através dos séculos.
Eu trazia, pela mão, o Luca,
uma criança de seis anos. Caminhávamos em silêncio. Em determinado momento, o
menino parou. Largou a minha mão e ficou contemplando o solo. Esperei, em
silêncio, curioso para ver o que faria.
- Quantas pedras! O que será
que tem lá dentro?
Retomou a minha mão e
continuamos a descida. Notei que ele não esperava resposta. Eu me mantive em silêncio
pelo resto do caminho. Fiquei imaginando qual seria o seu espanto se eu lhe
mostrasse, de repente, uma pedra partida ao meio com um fóssil de peixe como as
encontradas na Chapada do Araripe ou em uma das tantas pedras de ágata com seu
interior oco revestido de cristais coloridos. Mas eu não lhe disse nada. Eu não
podia explicar isso e preferi não interferir nos seus pensamentos, na sua busca
pela descoberta.
Esta imagem nunca me saiu da
memória. E eu me pergunto, tantos anos depois, se ela poderia ocorrer a uma criança
nos dias de hoje, ocupada o tempo todo com joguinhos no celular ou comendo as batatas
da onda. Sufocadas pelo requinte das tecnologias do entretenimento, nossas
crianças estão perdendo a sensibilidade para as coisas simples, a curiosidade
pelos fenômenos da natureza, a habilidade no uso das mãos. Desenvolveram, isto
sim, uma destreza invejável para abrir os pacotinhos de bombom e quadradinhos
de milho e gordura que os avós, cúmplices, não conseguem.
No Japão, onde a tecnologia do
entretenimento mais se desenvolveu, o homem comum ainda mantém hábitos saudáveis.
Lá, se costuma sentar para contemplar a lua, permanecer em silencio para ouvir
um grilo cantar ou debruçar-se para
riscar desenhos num canteiro de areia. Lembro-me de uma noite em Tókio, num
daqueles jantares festivos em um restaurante no meio de um parque. Havia um
lindo jardim formado por enormes pedras arredondadas que se haviam transformado
em verdadeiros globos iluminados. Estavam cobertas por vagalumes que faiscavam.
Recebemos, cada um, uma pequena gaiola contendo uma folha de alface. Recolhemos
alguns vagalumes e voltamos para os nossos quartos com a responsabilidade de
depositá-los, no dia seguinte, junto à
primeira planta que encontrássemos.
Sou grato ao Luca por me ter proporcionado
este pouco de introspecção filosófica.
Ele hoje está crescido, mas ainda é um pré-adolescente. E continua com a mesma
inquietação pela pesquisa, a mesma curiosidade pelas coisas e a serenidade dos
sábios. Com ele há muito que aprender.
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