Sobre um galho seco
Um passarinho canta
Que a vida se foi
Perdoem-me
o haicai improvisado. Não pude evitá-lo pois ele representa o patético esforço
do homem para restaurar a natureza que ele mesmo destruiu. Eu andava por uma
estreita ruela no centro de Tókio acachapada pelos enormes blocos de concreto e vidro que a
circundavam. Caminhava devagar,
contrastando com os demais transeuntes. Era uma tarde ensolarada, embora o sol
apenas se presumisse pela intensidade da luz. O céu visível era apenas uma
nesga.
Em
certo momento pareceu-me ouvir o canto de um pássaro. Ri do meu delírio e
continuei a caminhada. O canto voltou, ligeiramente mais alto. Estiquei o
pescoço à procura de um lugar para sentar-me. Desemboquei numa espécie de praça
minúscula que mais parecia o fundo de um prédio. Do chão de cimento, entre dois bancos de ferro,
levantava-se o tronco seco de uma pequena árvore, o qual se dividia em três ou quatro
ramos completamente pelados. Não havia uma só folha. Sobre o galho mais alto,
um passarinho cantava.
Não
demorei a perceber as duas caixinhas de som escamoteadas no cruzamento dos
ramos e o tosco balançar de cabeça do pobre passarinho empalhado.
Os
japoneses são um povo admirável e a eles devo a minha capacidade de
introspecção e o pouco de equilíbrio emocional que ainda me resta. Com eles
aprendi a tomar banho, a ouvir quando os outros falam e a fazer as coisas em
espaços impossíveis. Com eles aprendi também a comer o que está disponível e
provei coisas estranhas, desde alimentos
fermentados com odores inicialmente insuportáveis até bichinhos indecifráveis,
fritos ou não, cujo aspecto ia do besouro ao louva-deus.
Depois
de algumas idas e vindas de Tókio e Osaka, mas ainda um estreante na cultura
japonesa, coube-me receber dois técnicos que viriam ao Rio para a discussão de
um projeto. Ao completar duas semanas de trabalho exaustivo, na véspera de sua
partida, convidei-os para um jantar de
despedida. Levei-os ao Fiorentina, que naquela época estava no Leme. O jantar
foi longo e alegre, havia uma lua bonita, e decidimos caminhar um pouco pela
beira da praia. Em certo momento, um deles parou e ficou contemplando
longamente o mar. Pareceu-me vislumbrar, em seu semblante, uma certa nostalgia
pela partida. Ele desceu até a areia, tirou um lenço do bolso e estendeu-o,
aberto, no chão. Apanhou dois punhados de areia, colocou-os delicadamente no
centro, amarrou as quatro pontas do lenço e voltou sem dizer uma palavra.
Comovido com aquele gesto, eu não me contive:
--
Que bonito, você está levando um pouco
da areia de Copacabana como lembrança do Brasil!
--
Não, – disse ele – é para a minha
criação de grilos.
--
Ah! Você cria grilos para comer, não é?
--
Não, não. É para ouvi-los cantar!
Meu
impulso foi sair correndo e mergulhar no oceano. Para sempre.
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