07 junho 2011

Lição de Inglês


A professora era miúda, baixinha e magra. Sua voz era meiga e suave, delicada  como o seu corpo. Sussurrava poemas de William Blake – “tiger, tiger, burning bright...in the forest of the night” – como se cantasse uma canção de ninar.
A professorinha se  preocupava com a minha pronúncia e com a minha saúde. Trabalhando no turno da noite,  minha pele havia adquirido um tom metálico fosco, parecido com o da prata  coberta pela pátina do tempo.  A fábrica Bangu era o meu segundo emprego, que sucedeu à Itatiaia, fábrica de tecidos crus plantada em Santa Cruz, lá no  finzinho do estado do Rio de Janeiro. Eu entrava às dez da noite e saía às seis da manhã. No caminho de casa, durante o inverno, o dia apenas clareando, eu parava sempre no mesmo boteco e “jantava” dois ovos fritos com uma cerveja. Estava  seguindo o conselho que me havia sido dado pela professorinha:
-- “Eat many eggs!”, dizia-me sempre.  E repetia a frase acenando-me com seus bracinhos miúdos,  gritando  do portão de sua casa, quando, terminada a aula, eu me afastava. Em sinal de reconhecimento e obediência  eu me virava e levantava as mãos para o céu. Não sei bem o que aquilo significava mas pelo sorriso que via em seu rostinho magro percebia que ela ficava contente.
No meu jantar das seis da manhã eu sentava sempre numa mesa da calçada. As pessoas que passavam balançavam a cabeça e podia-se ler o que pensavam:
“Pobre coitado, tão jovem, bebendo  a uma hora destas, imagina como estará quando chegar a noite”.
Um dia ela me falou de Deus. Eu, que considerava Deus apenas  um amigo de infância, interessei-me, e perguntei onde ficava a sua igreja. Ela apertou-me as mãos com ternura e explicou:
-- We have no church. We pray in the streets.
Passei a venerar a professorinha que rezava nas ruas, sem imagens nem templos. Na flor da juventude, foi graças aos seus conselhos que sobrevivi por mais de um ano àquele regime de trabalho noturno que subjuga o homem à mais cruel solidão. Não havia passeios. Não havia namoro. Não havia festas. Não havia cinema nem teatro. Não havia sono. Não havia despertar. Não havia nada.
Só havia dois ovos fritos, uma cerveja casco escuro e a professorinha. 
Todos os dias.
-- “Eat many eggs!”



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