“Escrever” continua atual. Depois que o Severino Mandacaru simulou um ataque de demência por achar que, devido ao que já se publicou, e se continua publicando, não sobrariam leitores para ele, aparece no Segundo Caderno do “O Globo”, uma coluna de Francisco Bosco com, exatamente, esse título: Escrever.
Logo depois do destempero do Severino, a colega Mônica Noronha tratou desse tema com seriedade explicando como e por que escreve. Debatendo-se entre o prazer da escrita e as obrigações que lhe são impostas pela profissão que exerce, Mônica dá uma importância elevada à contraposição publicações/ leitores, resigna-se por não poder escrever tudo o que gostaria, e encerra o assunto: “Então, que venha o possível”. Decisão sensata.
Na sua coluna Francisco Bosco cita o filósofo Giorgio Agamben: “Escrevemos para nos tornarmos impessoais” Bosco explica: “Segundo o filósofo, cada sujeito é formado por duas dimensões, uma pessoal, outra impessoal. A pessoal é o Eu, a consciência, a identidade; o que em nós é constituído, sabido, reconhecido. A parte impessoal é o que, “em nós supera e excede”, é o que nos revela “que nós somos mais e menos do que nós mesmos”, é uma “zona de não conhecimento” em nós mesmos”. Depois de estender-se numa longa e detalhada interpretação das palavras do filósofo, Bosco conclui: “Para mim, é por isso que se escreve, ou, ao menos, é por isso que escrevo: para transcender os limites tediosos neuróticos do meu ser”.
Nunca pensei que fosse tão complicado.
Severino Mandacaru, por exemplo, que só ficava neurótico quando faltava cerveja, escrevia a seu modo – não precisava de papel – , cantando numa praça em Glória de Goitá:
Eu canto, eu faço verso
Eu canto até mi sguelá
Eu rimo no desafio
Acompanho no ganzá
Eu canto gloza e repente
E galope à beira mar ...
Moço distinto se chegue
Meu canto é pra si escutá
Mostre que tem coração
Ajude um pobre a cantá
Tire do bolso um trocado
E bote no meu borná ...
Severino tinha suas razões. A vida dura na caatinga não lhe permitia maiores elocuções.
Creio que chegou a hora de dizer por que escrevo. E vou ser sincero:
Escrevo para me exibir. Para receber aplausos e vaias. Escrevo no centro de um palco, como um ator. Curvo-me em agradecimentos quando me aplaudem. Cubro o rosto quando me vaiam.
Escrevo para ser lido. Fico alegre quando descubro que alguém me leu. Não são muitos: Um colega aqui, um amigo ali, um primo, um cunhado, um sobrinho, um neto. E eu mesmo.
Escrevo porque gosto de ler. Como leitor, quero saber o que penso. Se não escrever, não posso ler-me. Leio como qualquer leitor, fora do palco. Quando gosto, rio muito e aplaudo. Quando não gosto, vaio e rasgo tudo.
Escrevo porque vivi. Não sei inventar histórias. Escrevo o que vivo.
Escrevo ... porque gosto. E tenho papel e lápis.