A PÁTRIA
“A Pátria é a família amplificada. O sentimento que divide, inimiza, retalia, detrai, amaldiçoa, persegue, não será jamais o da pátria. A Pátria é a família amplificada.”
Ruy Barbosa
A Escola Técnica de Indústria Química e Têxtil foi a primeira escola criada no Brasil para o ensino da tecnologia têxtil. Destinava-se a suprir pessoal técnico para o setor, substituindo técnicos e engenheiros trazidos do exterior. A Confederação Nacional da Indústria dera muita importância a esse problema e escolhera o Senai para implementar o projeto. Num prédio enorme instalou oficinas e laboratórios com os equipamentos mais modernos disponíveis na época. Instalou também um parque esportivo, cozinhas, lavanderia e um internato, posto que os alunos vinham de todos os Estados do Brasil e muitos do exterior. A direção foi entregue ao Prof. Mario Souto Lyra, engenheiro que se havia especializado no Instituo Têxtil da Universidade da Carolina do Norte.
O regime era severo: oito horas de aula por dia e mais uma hora de estudo orientado, obrigatório, à noite. Aos sábados, atividades culturais.
Na primeira semana de aulas o Diretor reuniu os alunos para um anúncio importante: o aluno que se classificasse em primeiro lugar durante todo o curso seria contemplado com uma bolsa de estudos. Faria o “Master in Science”, de quatro anos, no Lowell Textile Institute, da Carolina do Norte. Eu vinha de Pernambuco, para onde tinha ido no começo da adolescência e havia completado, com muito sacrifício, o curso secundário na Escola Técnica do Recife, da rede federal de escolas industriais. Continuar os estudos depois do curso técnico só seria possível, para mim, se eu conquistasse aquela bolsa. Classifiquei-me em primeiro lugar.
Para chamar a atenção sobre a Escola, a Confederação Nacional da Indústria ofereceu um jantar ao empresariado têxtil, onde foi anunciada a concessão da bolsa. Entre as autoridades presentes estavam Euvaldo Lodi, presidente da Confederação, e D. Jaime Câmara, Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro. Presente estava também o Professor Ivo A. Cauduro Piccoli, que havia sido nosso professor de física durante todo o curso. Professor eficiente e simpático, tornara-se um grande amigo dos alunos. Ele chefiava o departamento da Confederação que administrava as bolsas de estudo.
Terminado o jantar, parabéns pra cá, parabéns pra lá, salamaleques pra todo o lado, Piccoli me chama a um lado e diz:
-- Venha amanhã ao meu escritório e traga seus documentos. Vamos tratar do seu embarque.
Fui pontual. Depois de um longo prólogo no qual discorreu sobre o curso nos Estados Unidos, o professor pergunta:
-- Trouxe os documentos?
Entrego-lhe os documentos. Ele olha a carteira de identidade e solta um urro:
-- Italiano? Você é italiano?
-- Sou, sim. Todo o mundo sabe disso lá na escola. Estou tentando me naturali...
-- Não é possível! Todo mundo chama você de “Pernambuco”, como é que você pode ser italiano?
-- Pois sou. Estou pedindo a naturalização, mas a papelada ...
-- Eu não posso mandar um italiano representar o Brasil numa escola americana.
-- Mas...me disseram que a bolsa era um premio para o primeiro colocado e não ...
-- Não é possível, não é possível!
Meu mundo desabava. Eu não sentia o chão debaixo dos pés. A vista se turvou.
Vi a cara do meu pai, a quem eu havia prometido continuar os estudos por minha conta. O professor continuava falando, mas eu não ouvia mais nada. Afastei-me de costas, fitando o chão até encontrar a porta. Eu tinha vinte anos.
Completei meus estudos no Rio de Janeiro, aos quarenta e sete anos, casado e com dois filhos grandes.
“ A Pátria é a família amplificada” , disse Ruy Barbosa.
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