01 fevereiro 2011

Coisas que eu quero contar

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COISAS QUE EU QUERO CONTAR


Quero contar os amores que vivi e os amores que perdi.
Quero contar as dores que sofri e os males que causei.
Quero contar de vales e cordilheiras por onde andei.
Quero contar de lagos e montanhas onde nasci.
Quero falar das árvores que plantei, dos filhos que criei e dos livros que não escrevi.
Quero contar as desventuras por que passei nos mares que singrei e nos ares que cruzei.
Quero contar como é dura a vida na caatinga, a pele calcinada pelo sol, o olhar de angústia na criança faminta, o riso amargo saindo das rugas do velho desamparado.
Quero contar o pôr do sol no São Francisco, o brilho da lua cheia no Capibaribe, o verde cristalino do mar além dos arrecifes.
Quero falar dos vinhos que bebi e da sede que sofri.
Quero contar como ressoa o apito da fábrica, como estala a batida intermitente do tear e como ecoa a voz alegre da tecelã.
Quero contar como vivem as almas penadas dos insetos assassinados nos campos de lavoura.
Quero contar fábulas. Para dizer cobras e lagartos, engolir sapos, desvendar o segredo da aranha, cantar como a cigarra, ser astuto como a raposa, ágil e faceiro como o serelepe, vaidoso como o pavão. E beber como um gambá.
Tudo isso quero contar. E antes que os tempos acabem, quero deixar pronto o meu epitáfio, que  dirá:

“Aqui jaz aquele que pouco contou.
Porque o que contou era verdade. E ninguém acreditou.
Aqui jaz aquele que sofreu a angústia de não saber contar
tudo aquilo que queria contar”.
                                                                                                                                        Luigi Spreafico



3 comentários:

  1. Adoro este texto! Mas não me lembrava da parte do serelepe!
    AH! Criei um desaforismo:
    A verdade é a menor distância entre dois pontos. Bjs

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  2. E por que não contas o que queres contar enquanto tens tempo e vives o tempo que te resta sem essa angustia?

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  3. Muito bom.
    Como isso remete a todos nós que deixamos de falar, de contar tantas coisas por achar que não é o momento ou por preguiça dos desdobramentos da nossa história quando a contamos. É como as vezes relutamos em perguntar a alguém (dependendo de quem, é até salutar) como vai? como medo que ele conte mesmo!
    Mas o curioso é que ao ler, me veio uma cena que nunca mais esqueci.
    Estava em uma padaria em um bairro de São Paulo, esperando meu primo, quando entrou uma senhora com dois garotos, não sei dizer se eram filhos ou netos, eles deviam ter uns 8 anos aproximadamente. Foram até o balcão, onde estavam expostos alguns salgados em um dispensador envidraçado, e olharam com o olhar mais comprido que eu já pude presenciar. Eles, a mulher e os meninos, estavam bem arrumados e pareciam ir ou vir da escola. Então perguntaram para o balconista o preço, no que ele respondeu: 1,50. Eles se olharam, e um dos garotos falou: - Caro né? se dirigiram para porta e saíram sem comprar a iguaria, mas tagarelando como se não tivessem logrado aquela derrota. Esta cena ficou gravada em mim e mexe comigo todos os dias. Ela é uma mistura explosiva de sensações, ela é ao mesmo tempo triste (talvez) e linda. Ao mesmo tempo que é incrível (talvez melhor que triste) eles não poderem comprar aquele salgado de 1,50 é incrível como eles estariam estourando de felicidade caso comprassem aquele salgado de 1,50.
    Perceber, se dar conta de como podemos estourar de felicidade com coisas banais para muitos, coisas corriqueiras para muitos, podem ser o auge de momentos de felicidade para muitos.
    Não me lembro de ter contado esta cena pra niguém, talvez tenha contado pra Carla.
    Enfim, gostei de ler o seu "Coisas que eu quero contar".

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