24 julho 2024

EU JÁ FUI JOVEM

 

EU JÁ FUI JOVEM

Luigi Spreafico

Depois de muito meditar sobre o que escrevi alhures, onde me sujeitei aos açoites da própria consciência, decidi libertar-me das amarras e escancarar o que fazia o menino, o adolescente, o jovem estudante e o homem maduro. Aos 11 anos de idade, eu morava em São Paulo, no bairro de Vila Maria, uma colina acentuada ocupada predominantemente por portugueses. Distanciava-se do centro da cidade cerca de 40 minutos. O meio de transporte era o bonde. Não havia ônibus nem taxi.  No meio do caminho cruzava-se o Rio Tietê, onde singravam os barcos que recolhiam areia.

O centro da cidade era a Praça da Sé, onde se encontra hoje a Catedral. Naquela época, era só uma grande praça cheia de blocos de granito, que os operários, a maioria portugueses, transformava em paralelepípedos e pedras ornamentais. Eu passava ali com frequência e ficava horas contemplando, extasiado aquele trabalho.

Em 1939, explodiu a Segunda Guerra Mundial. Eu já tinha me deslocado para o Nordeste. Morava  na cidade de Paulista, município a poucos quilômetros do Recife. Uma cidade pacata, de gente trabalhadora e prodigiosa.

Quem percorresse a pequena estrada de terra batida que ligava Recife a Olinda, chegando ao Varadouro seria surpreendido pelo cheiro pungente de goiabas e cajus. Ali, bem cedo, caboclos curtidos pelo sol, sentados junto aos seus balaios, esperavam que a Fábrica de Doces abrisse as portas para entregar sua mercadoria. O amarelo vibrante das goiabas e o vermelho sanguíneo dos cajus lembravam um quadro de Van Gogh.  O forte aroma das frutas na manhã úmida inundava o quarteirão e embriagava os sentidos para o resto do dia. Ao cair da tarde, um outro cheiro, ainda mais forte emanava do prédio da fábrica, indicando que a goiabada estava pronta. E este perfume, este sim, ficaria impregnado pelo resto da vida.

No Varadouro, a estrada embicava para a esquerda, tornando-se estreita e partia em direção à cidade de Paulista, um nome simplório para a cidade que era: duas fábricas de tecidos, duas longas chaminés enfeitiçando o céu. A vida aí era pacata. Meu pai era gerente em uma delas. Chefiava as turbinas que geravam energia para mover as máquinas e fornecia luz para a cidade. Eu havia chegado aos 15 anos de idade. Meu pai, técnico que era, matriculou-me na Escola Tecnica do Recife para fazer o curso de Mecânico de Máquinas. Terminado o curso, o diretor de Escola, Manoel Vianna de Vasconcelos mandou-me chamar e disse: Eu soube que o Senai vai instalar uma escola para a formação de técnicos em indústria têxtil no Rio de Janeiro. Pernambuco recebeu 4 vagas. Eu indiquei teu nome. O resto já se sabe. Formei-me pela nossa gloriosa ETIQT.

2 comentários:

  1. Vejo as cores e sinto os cheiros lendo este relato. Viajei contigo pelo Recife antigo!

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  2. Que maravilha de relato!!!!! Vi você lá na ETFPe... nas aulas de mecânica, no campo de futebol, andando pelo Derbi! Amei!

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