EU JÁ FUI JOVEM
Luigi Spreafico
Depois de muito meditar sobre o que escrevi alhures, onde me sujeitei
aos açoites da própria consciência, decidi libertar-me das amarras e escancarar
o que fazia o menino, o adolescente, o jovem estudante e o homem maduro. Aos 11
anos de idade, eu morava em São Paulo, no bairro de Vila Maria, uma colina
acentuada ocupada predominantemente por portugueses. Distanciava-se do centro
da cidade cerca de 40 minutos. O meio de transporte era o bonde. Não havia
ônibus nem taxi. No meio do caminho
cruzava-se o Rio Tietê, onde singravam os barcos que recolhiam areia.
O centro da cidade era a Praça da Sé, onde se encontra hoje a
Catedral. Naquela época, era só uma grande praça cheia de blocos de granito,
que os operários, a maioria portugueses, transformava em paralelepípedos e
pedras ornamentais. Eu passava ali com frequência e ficava horas contemplando,
extasiado aquele trabalho.
Em 1939, explodiu a Segunda Guerra Mundial. Eu já tinha me
deslocado para o Nordeste. Morava na
cidade de Paulista, município a poucos quilômetros do Recife. Uma cidade
pacata, de gente trabalhadora e prodigiosa.
Quem percorresse a pequena estrada de terra batida que ligava
Recife a Olinda, chegando ao Varadouro seria surpreendido pelo cheiro pungente
de goiabas e cajus. Ali, bem cedo, caboclos curtidos pelo sol, sentados junto
aos seus balaios, esperavam que a Fábrica de Doces abrisse as portas para
entregar sua mercadoria. O amarelo vibrante das goiabas e o vermelho sanguíneo
dos cajus lembravam um quadro de Van Gogh.
O forte aroma das frutas na manhã úmida inundava o quarteirão e
embriagava os sentidos para o resto do dia. Ao cair da tarde, um outro cheiro,
ainda mais forte emanava do prédio da fábrica, indicando que a goiabada estava
pronta. E este perfume, este sim, ficaria impregnado pelo resto da vida.
No Varadouro, a estrada embicava para a esquerda, tornando-se
estreita e partia em direção à cidade de Paulista, um nome simplório para a
cidade que era: duas fábricas de tecidos, duas longas chaminés enfeitiçando o
céu. A vida aí era pacata. Meu pai era gerente em uma delas. Chefiava as
turbinas que geravam energia para mover as máquinas e fornecia luz para a
cidade. Eu havia chegado aos 15 anos de idade. Meu pai, técnico que era,
matriculou-me na Escola Tecnica do Recife para fazer o curso de Mecânico de Máquinas.
Terminado o curso, o diretor de Escola, Manoel Vianna de Vasconcelos mandou-me
chamar e disse: Eu soube que o Senai vai instalar uma escola para a formação de
técnicos em indústria têxtil no Rio de Janeiro. Pernambuco recebeu 4 vagas. Eu
indiquei teu nome. O resto já se sabe. Formei-me pela nossa gloriosa ETIQT.