“Faz escuro, mas
eu canto”
Lembrei-me hoje, quando acordei, do Thiago de Mello. Estávamos no Chile. Era o ano de 1965. Ele havia sido preso. Os tempos estavam escuros. Mas ele cantava e declamava. Eu havia recebido um convite para trabalhar num projeto têxtil das Nações Unidas e me mandara para o Chile. De um modo ou de outro, éramos todos exilados. As coisas no Brasil estavam medonhas. O medo morava em cada esquina. Bastava que alguém lhe apontasse o dedo: “Ele é um subversivo” e você desapareceria, nas masmorras ou no campo santo. Perdi amigos. Muitos foram torturados. Alguns perderam o juízo. Outros se acomodaram.
Aí chegou 1968, com seu fatídico AI 5. Em outubro voltei para o Brasil. Com a cabeça cheia de teares e filatórios, e tremonhas, nem me dei conta do que isso significava. E os tempos ficaram ainda mais escuros.
Passaram-se os anos. Muitos anos. Exatamente 57 anos. Trabalhei muito e não me arrependo de nada do que fiz. Vivi no Nordeste boa parte da minha vida, constitui família, viajei o Brasil inteiro a trabalho. Fui adviser da Unido – Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – com missões no Chile, Mexico, El Salvador, Colômbia, Japão, Tailândia, Indonésia, Filipinas e Singapura.
Nos últimos anos, fixei residência no bucólico bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro. E aí chegou a Pandemia. E os tempos ficaram novamente escuros. Muito escuros. Confinados, eu e minha esposa, no bucólico apartamento, descobrimos que a vida se transformaria em um cárcere privado. E procuramos um asilo para anciãos, instalado em um antigo hotel comercial, no bairro da Glória, que denominei logo, quem me dera, Motel dos Anciãos. Ali nos hospedamos, a título de experiência, 3 fins de semana. Foi muito divertido. Eu comecei a contar histórias aos hóspedes, que eu chamava de “meus pacientes”, os quais riam muito. Às vezes choravam.
Foi uma experiência. Logo percebemos que a
convivência com as mazelas dos hôspedes (cadeira de rodas, alzheimer,
enfermeira acompanhante, confusão mental, e outras quizilas) nos levariam a um
estresse que redundaria em uma depressão incontrolável. E seria o caminho mais
curto para subir a Montanha de Narayama.
Foi quando nosso filho nos convidou para ficar uma semana em sua casa, nas montanhas. Aceitamos.
- Vamos dar uma volta. Parou defronte de um pequeno chalé.
- Gostaram ?
- Adoramos.
Então esta é a vossa casa.
Agora fala-se em “golpe de estado”, que
comprometeria o próprio Presidente da República. Isso me leva ao ano de 1965
acima abordado. Hoje se sabe que o golpe de estado naquela época foi longamente
estudado e avaliado entre os militares antes de ser aplicado, em Março de 1964.
Outro fator a ser levado em conta é que a ditadura sofreu um confrontamento em
forma de guerrilha, com sequestros, saques, assaltos, incêndios e outras
coisas.
Isto tudo é para dizer que os militares de
então não são os mesmos de agora. As pessoas mudam. As escolas mudam, os métodos
mudam, os conceitos mudam. Nos debates sobre política as Forças Armadas já se
manifestaram sobre a sua posição de respeito à Constituição.
E aqui caímos novamente no ponto de
partida: a disputa entre os Poderes. Não sei para onde vamos.
Sarava, meu Pai. “Faz escuro mas eu canto”.
Ainda bem que você não está na Ucrânia!
ResponderExcluirObrigado Tapioca. Motivo para acordar feliz
ExcluirCada pessoa tem o seu próprio entendimento do que viveu; o “se ... não muda o passado, mas com certeza pode gerar novas perspectivas de presente e futuro que apresentam novas possibilidades para novas escolhas, inclusive fazer as mesmas escolhas faz parte do leque de opções. Infelizmente dentro da guerra por poder, esquecendo os ensinamentos do Evangelho de Jesus Cristo, cada um se defende e ataca como deseja. A história da Humanidade, inclusive as contadas pelos vencedores, retratam a violência bruta e a falta de fraternidade entre as pessoas. O medo é um dos elementos que mais invoca a violência das pessoas que ilusoriamente sentindo-se mais fortes passam a destruir sem escrúpulos. O diálogo desaparece. E isso também acontece dentro da maioria das organizações, por menor que sejam, porque ainda não fizemos a lição de casa ensinada por Jesus Cristo: “Amar a Deus ... e ao próximo como a si mesmo”. Façamos o fim das guerras praticando a Não Violência!
ResponderExcluirCarlos Guilherme, obrigado por suas considerações e esclarecimentos. Enriquecerão as discuções.
ResponderExcluirO que dizer…. além de agradecer
ResponderExcluirEssa trajetória, essas reflexões, esses ensinamentos e experiências!!!! Saúde e Paz, Sr. Luigi!!!!
Obrigado, querido anônimo. Um dia nos encontraremos e descobrirei quem és.
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