12 setembro 2021

A ALDEIA DA BERNARDETE

 

                                                                                  

                                                                                       Fala Marcos Prado *

 *Membro do Conselho Estadual de Cultura do Estado de Pernambuco

“Numa síntese que se queira avaliar para historiografia de uma nação ou mesmo de um estado como integrante de um povo e seus elementos urbanos, a façanha inicial será partir da história das pequenas células de aglomerados humanos e sociais, seja qual for o seu tempo de existência e a sua dimensão territorial no mapa geral do país.

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O livro de Bernardete Serpa me faz confiar, esperançoso, na grande História Geral de Pernambuco ainda não escrita. A autora, num esforço isolado e heroico de pesquisa, baseada na memória e na oralidade como peças fundamentais a esse almejado tipo de historiografia, nos oferece eu diria uma obra de magnânimo interesse, oportuníssima como subsídio ao capítulo dos sentimentos e das afetividades humanas.  

Livros como este, painel da história sentimental de uma “aldeia”, devem ser lidos com o fôlego de uma paixão.”

 

 Estes são textos escritos por Marcos Prado para a orelha que compõe o livro de Bernardete Serpa “ A VIDA NA MINHA ALDEIA “, publicado pela Editora Bebecco, de Olinda – PE, em 2011.

 A “aldeia” de Bernardete era a cidade de Paulista, em Pernambuco, não muito distante de Recife. Nela havia um conglomerado industrial criado pela família Lundgren onde se destacavam duas fábricas de tecidos que empregavam pelo menos 6.000 operários. Considerados os dependentes temos um total de 24.000 pessoas.

 Hoje sinto-me extremamente feliz e orgulhoso por saber que pisei o mesmo chão em que pisou Bernardete, respirei o mesmo ar junto aos Bambuzais e bebi  da mesma água da Levada por onde andou Bernardete. E choro quando me lembro do apito agudo do trenzinho que passava na frente da minha casa para abastecer de lenha as caldeiras da Fábrica Aurora.

 Eu cheguei em Paulista em 1942, portanto com 12 anos de idade, saindo de São Paulo com minha mãe e duas irmãs, em uma viagem conturbada,  durante a Segunda Guerra Mundial, a bordo de um navio da Costeira chamado Itaquicé. Meu pai já estava lá, trabalhando como Gerente das Oficinas Mecânicas da Fábrica Aurora. Em 1944 meu pai me matriculou no curso industrial de mecânica de máquinas, na Escola Técnica do Recife, no bairro do Derby. Eu dormia no internato da Escola e só ia a Paulista nos fins de semana, viajando na famosa  “sopa”, cheia de jacas e cabritos.

 Morava na Rua do Sol, a poucos metros dos Jardins do Coronel, citados por Bernardete em seu livro. Minhas irmãs brincavam no meio da rua por serem mais jovens. Eu me poupava e espiava pela janela, enterrado no meio dos livros, furadeiras, fresadoras, tornos e equações. Ganhei o apelido de CDF.

 Para terminar, quero lembrar aos meus incautos leitores que um dos capítulos importantes da minha vida eu o vivi em Paulista. Está narrado na crônica Nº 23, de 31 de Julho, com o título de “O  Coronel e Eu”.

 Obrigado Bernardete por ter perfurado uma veia das minhas emoções aos noventa anos já passados. E vou terminar com um simples verso que usei em algum lugar, há algum tempo :

 “ Mergulhar no Espaço Sideral que eterno dura

    Onde pudesse encontrar vida mais pura. ”

 

 

 

6 comentários:

  1. Estás garimpando Diamantes na Literatura de forma Bem Sucedida. E por acréscimo a Felicidade de ter sido na cidade de tua juventude.

    Parabéns e Grande 🤗

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    1. Obrigado Carlinhos. A transferêcia dos meus livros para Friburgo e a dor da partida do Cosme Velho me ajudaram na empreitada. O meu amor pelo Nordeste fez o resto.

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  2. Dona Barbarina e eu lembramos logo dos tamarindos que cobriam o terreno da casa do coronel, e eu ia com o vô recolher algumas sacolas para vó Tereza fazer geleia. Lembrei também a minha primeira bicicleta que o vô pendurou no galpão lá atrás no quintal junto com a dele e da mãe. No dia do meu aniversário, logo que acordamos, ele fingiu estar concertando uma coisa na sala e me pediu para ir ao galpão buscar uma ferramenta. Fui até lá e enquanto pegava a ferramenta percebi algo diferente no alto, no conjunto de bicicletas que ficavam penduradas. Nem me lembro se levei a ferramenta mas voltei correndo para perguntar que raios era aquela bicicletinha que estava no conjunto da obra. Até aquele dia eu andava de carona nas bicicletas, agora eu tinha meu próprio veículo. Eu andava pra lá e pra cá com meu veículo e ficava especialmente orgulhoso quando o estacionava no meio fio apoiado no pedal. A imagem que tenho de mim mesmo é fazendo pose ostentando a situação. Chegando no destino, parando o veículo, estacionando, e todo posudo indo resolver a “parada”. Um dia, no final do dia, cheguei em casa depois das andanças e estacionei o veículo no meio fio, como de praxe e entrei em casa. Fui dormir e esqueci o poderoso estacionado na calçada. Pela manhã acordei e num lampejo me lembrei dele! Corri desesperado para a rua e quase morri ao ver que ele não estava lá! Deixa estar, o vô tinha encontrado ele lá na noite anterior, guardou, mas nada falou, esperou o processo acontecer. Hoje alguns teóricos da psicologia denominam isso de consequência lógica, que ele sabia aplicar sem ter estudado isso. Ele não me dei sermão, na verdade me chamou de salame rindo um pouco do meu estado de apreensão com o fato, me acolheu e se solidarizou com minha angústia.

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