Nunca tive desafetos na minha vida. Lidei
com pessoas de todas as classes sociais. Dos mais simples operários de fábrica aos
diretores de empresas multinacionais. Trabalhei para Governadores e Ministros com
os quais viajei mundo afora. De todos recebi carinho e consideração. Dos operários
com quem lidei sempre encontrei dedicação. Eu visitava as fábricas com frequência,
em horas inusitadas, no terceiro turno. Eu conversava diretamente com o operador, junto da máquina.
Eles se sentiam prestigiados e eu identificava eventuais gargalos no fluxo de
produção, máquinas paradas ou deficiência
de pessoal.
Na minha família, entre tios, filhos, primos, cunhados, sobrinhos e netos, possivelmente haverá alguém que me ignora, mas jamais percebi qualquer tipo de hostilidade.Entre os vizinhos de casa, harmonia total, inclusive com o sindico do prédio.
Nada obstante, nesta vida tudo pode acontecer como, por exemplo, uma fruta fora do balaio. E esta foi o meu “Desafeto Oriental”.
Eu estava trabalhando na implantação do projeto Seridó, uma fábrica de tecidos de grande envergadura em Natal, Rio Grande do Norte, do qual participava a Shikibo Spinnig Company, renomada empresa japonesa. Por força do trabalho, eu viajava com frequência a Tokio e Osaka, enquanto técnicos japoneses vinham a Natal e Rio de Janeiro. Fiquei amigo de todos eles, não só pela seriedade com que eles encaravam o trabalho mas também porque me fascinava o seu modo de vida, a sua obsessão pela limpeza, pela pontualidade, respeito à palavra empenhada, dedicação aos mais velhos e amor à natureza.
Certa vez, eu estava na firma em Osaka e devia comparecer a um jantar de confraternização, daqueles que, no melhor estilo japonês, duravam mais de três horas. Os lugares estavam marcados com o nome de cada convidado. Ao me aproximar da mesa, olhei para o lado direito. Estava marcado com o nome do carrancudo.
“Estragou o meu jantar”, pensei logo.
Sentei-me olhando fixamente para a frente. Procurei conversar com o vizinho da
esquerda, mas minha conversa não cativou ninguém. E assim decorreu o jantar. No
fim, quando tomávamos aquele chazinho de encerramento, o carrancudo me cutucou
e disse, com seu inglês econômico:
“ Senhor Spreafico, de que o senhor gostaria mais neste momento?”
Mas agora eu posso dizer: Eu não tenho desafetos.
Luigi! Com certeza nao. E qual era a do carrancudo?provavelmente gostaria de ser casual e popular como você. Adoro aprender com seu texto delicioso e cheio de experiência. Muito obrigada👏👏👏👏
ResponderExcluirObrigado LARANJINHA. O que aconteceu naquele dia foi muito significativo para mim. Eu nunca podia imaginar uma pergunta daquelas e nao sei como a resposta me surgiu na cabeça. Só no hotel, naquela noite, refletindo sobre o assunto, percebi que o carrancudo queria avaliar o meu carater. E recebeu a resposta que o aquietou. Quem ama sua família a ponto de invocá-la numa hora daquelas, com um oceano no meio, só pode ter um bom carater. Como a frase me veio à cabeça na hora é um mistério que não consegui decifrar. Eu nao consguia pensar em nada. A mesa inteira, em silêncio, me fitava. Aprendi muito com os japoneses.
ExcluirVovô, que história boa! Poderia muito bem estar no livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnegie!
ResponderExcluirMarina, muito oportuna e sagaz a sua observação. Obrigado.
ExcluirConcordo! Um incentivo!
ExcluirO outro sempre tem algo a colaborar conosco, e elas sempre tem um pouco que seja de nós, e nós um pouco delas. O importante nessa troca é a vontade da escuta ativa, ouvida além dos aparelhos auditivos.
ResponderExcluirMuito bom, Ana. Obrigado.
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