24 fevereiro 2023

OS PRIMEIROS EMPREGOS

 CAPÍTULO 3

 Como expliquei, meu primeiro emprego foi-me oferecido pela Escola onde me formara, a ETIQT.  

A carteira profissional indicava:

 1 - “Empregador: Serviço Nacional de Aprendizagem Nacional – Departamento Nacional - Rio de Janeiro – Distrito Federal. Espécie de estabelecimento: Ensino industrial.Natureza do cargo: Assistente de Professor de Fiação. Data de admissão: 

1 de Maio de 1952.

Data de saída: 2 de Fevereiro de 1954.  

Na minha função de professor assistente eu dispunha de uma sala, no galpão da fiação, dotada de aparelhos para controle de qualidade e ensaios diversos, inclusive com uma câmara escura, o que permitia revelar microfotografias de fibras sintéticas que estavam pipocando naquela época. Dessa forma, eu podia manter os meus alunos atualizados.

Eu estava feliz com meu trabalho e posso dizer que sempre contei com a simpatia e o reconhecimento dos meus alunos, agora já meus colegas de trabalho. Afinal, estávamos formando a segunda turma da ETIQT.

 Nessa altura, com toda essa satisfação e apesar do salário compensador que recebia, fiz uma reflexão: estou ensinando aos alunos tudo aquilo que aprendi na escola. Nunca lidei com as máquinas, nem com os processos, nem com os operários . Não conheço o “chão de fábrica”.

Pedi demissão, E fui trabalhar numa fábrica desconhecida, situada na Estrada do Morro do Ar, 43 em Santa Cruz, Rio de Janeiro.

 2 - Fábrica Itatiaia de Tecidos

Data de admissão: 1 de Março de 1954

Data de saída: 11 de Fevereiro de 1955. Era uma fábrica de tecidos crus de algodão, para sacaria.

Aprendi muito, mas percebi que ali não teria futuro.

 Meu sonho era a fábrica Bangu. Eu tinha colegas que trabalhavam lá.

Recebi um convite para ocupar o lugar de gerente da fiação, mas era no turno da noite. Aceitei, seria uma experiência nova. Trabalhar na fabricação do fio 100, na produção do organdi exportado para a França, onde seria usado nos desfiles de moda. Isso me entusiasmava.

 3 - Companhia Progresso Industrial do Brasil – Fábrica Bangu.

Data de admissão: 1 de Março de 1955.

Data de saída: 30 de Abril de 1956.

 4 - Cia. Fábrica Yolanda de Tecidos SA.

Data de admissão: 1 de Setembro de 1956

Data de saída: 21 de Fevereiro de 1958

 A Fábrica Yolanda foi uma experiência única para trabalhar com fibras vegetais que não fosse o algodão. Trabalhávamos com juta e caroá. O caroá é um agave nativo do Nordeste. Produzíamos sacos para exportação de açúcar demerara e cordoalhas.

 Neste ponto cabe uma explicação. Em Janeiro de 58 recebi a visita de um empresário baiano que me propôs assumir a gerência geral de uma fábrica de tecidos em Teresina PI, que estava acéfala. Aceitei e embarquei. A primeira coisa que eu soube, ainda no hotel, foi que o gerente anterior havia sido assaltado pelos operários, vindo a falecer. O chefe do escritório é quem conduzia os trabalhos sem nenhuma experiência de trabalho industrial. Tratando os operários com muito carinho e sem punições, consegui criar um estabelecimento fabril harmonioso e eficiente. Mas o trabalho era desgastante. Eu chegava na fábrica as 6 horas da manhã e saia as 10 da noite. Eu me sentia frustrado com a indústria têxtil. Aguentei um ano. Pedi demissão e desci de ônibus pela costa, visitando os empresários têxteis a procura de emprego. Nada. Eu estava descoroçoado,

Cheguei em casa, juntei todos os livros técnicos que tinha e fiz uma montanha no meio da sala. “ Amanhã faço uma grande fogueira “. E fui dormir.

No dia seguinte refleti. Guardei os livros, comprei o jornal e comecei a procurar emprego.

 

21 fevereiro 2023

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

 Capítulo 2

 Formação profissional

A viagem para Recife não foi isenta de emoções. O navio viajava com uma escolta de quatro corvetas de guerra e dois dirigíveis. Desembarcados no porto, fomos conduzidos para a cidade de Paulista e ocupamos a casa onde já estava meu pai.

Mecânico que era, ele me matriculou na Escola Técnica do Recife, que pertencia  um grupo de escolas criado pelo presidente Nilo Peçanha para aqueles que desejavam obter uma profissão. Ofereciam várias especialidades: Mecânica de Máquinas e Construção Civil, entre outras.

Escolhi Mecânica de Máquinas. É uma especialidade que fabrica máquinas para construir outras máquinas. Aí estão o torno mecânico, a fresa, a plaina limadora e outras.

O regime de estudo era severo: aulas teóricas pela manhã, aulas práticas, à tarde, nas oficinas e estudo guiado à noite. Quatro anos de estudos. Minha prova final foi fabricar um torno mecânico.

Terminei o curso em 1948, aos 18 anos de idade. Ganhei o Prêmio Nilo Peçanha. Era destinado ao melhor aluno em todo o curso.

Eu estava de férias quando o seu diretor, Manoel Viana de Vasconcellos, lembro-me bem do nome, mandou-me chamar e comunicou-me:

 “Recebi a notícia de que o Senai está criando, no Rio de Janeiro, a primeira escola para a formação de técnicos têxteis. Indiquei o seu nome. Tem que fazer um exame de seleção”. Agradeci, comovido e fui correndo fazer minha inscrição.

 A ETIQT - Escola Técnica de Indústria Química e Textil

Era o que o país precisava. Finalmente poderíamos substituir os técnicos ingleses, alemães e italianos que conduziam nossas fábricas.

Apresentei-me no local da prova, Colégio Anchieta, na Boa Vista, creio eu, Recife. Um terraço enorme, cheio de candidatos. Havia de tudo : engenheiros, advogados, curiosos, o diabo a quatro. Pernambuco havia sido contemplado com 4 vagas. Tremendo de medo, fiz a prova. Fui aprovado.

Dias depois embarquei num DC3 da Aerovias Brasil e desci no Aeroporto do Galeão. Oito horas de viagem. Escalas em Maceió, Sergipe, Salvador, Canavieiras, Cabrália e o que mais tivesse pelo caminho.

Fui hospedado numa pensão na Rua Bela, em São Cristovão. Daí, todas as manhãs, eu ia para a Escola numa camionete com carroceria de madeira. A Escola me fascinou. Começaram as aulas quando existia somente o esqueleto em concreto. Eu chegava bem cedo, me sentava no canteiro de obras e lia o Jornal dos Sports que encontrava ali      mesmo. Numa casinha próxima, Seu Alfredo, um Maitre embalsamado em um fraque com gravata borboleta, servia o almoço.

Quando o prédio ficou pronto, foi disponibilizado, para os alunos dos outros Estados, um alojamento com todos os requisitos necessários.

Estudei com entusiasmo e voracidade, tanto as aulas teóricas, como as práticas, montando e desmontando máquinas. Formei-me em 1951. Para minha surpresa recebi um convite da Diretoria da Escola para assumir o lugar de assistente de professor de fiação.

 

 

 

 

 

19 fevereiro 2023

PEDAÇOS DE MIM MESMO

 PEDAÇOS DE MIM MESMO

 

INTRODUÇÃO

 

Falar de si mesmo é muito feio. Nem todos concordam com isso mas eu mesmo acho horrível. Passamos a vida inventando lorotas e blasonando-nos com bravatas ameaçadoras que fariam inveja ao próprio Capeta.

Eu mesmo me aproveitei disso quando postava crônicas com o mestre Felipe Pena e ele solicitou que cada um de nós definisse o seu perfil em poucas linhas. E eu escrevi :

“Vaidoso como um pavão, escreve para se exibir. Não acredite nessa foto, ele é careca”

Isso porque me haviam fotografado com um chapeuzinho de malandro.

 Passaram-se os anos. Muitos anos. Exatamente 88 anos.

 

CAPÍTULO 1                                                                                                        

 1 – Minha primeira Pátria

 Desembarquei no porto de Santos, Estado de São Paulo, aos quatro anos de idade. Eu acompanhava minha mãe, Teresina Alberti Spreafico, meu irmão Francesco e minha irmã Barbarina. Havíamos embarcado em Gênova num navio de bandeira francesa chamado Alsina e navegamos durante 30 dias. Meu pai, Guglielmo Spreafico, havia chegado dois anos antes e providenciado nossa acomodação. Depois de uns poucos dias em Santos, fomos alojados no Centro de São Paulo, primeiro no bairro de Santana e depois na Vila Maria. Vila Maria ! Do cume do morro da Vila Maria, onde ficava nossa casa, eu contemplava a cidade ao fundo, com suas luzes resplandecentes  e seus mistérios de cidade cosmopolita. Senti que era a minha pátria.

Alcancei os 9 anos de idade. E com eles, a Segunda Guerra Mundial. Meu pai era gerente mecânico de uma empresa italiana chamada Estabelecimentos Mecânicos Rossa. Éramos súditos de Eixo. Meu pai estava prestes a perder o emprego.

No entanto, quis o destino que as coisas se acomodassem como num passe de mágica. Em Pernambuco, o grupo de fábricas têxteis Lundgren, que empregava muitos técnicos italianos e alemães fora obrigado demiti-los, justamente por serem súditos do Eixo. (ver nota) E convidou meu pai para assumir o lugar de gerente das oficinas mecânicas da Fábrica Aurora, em Paulista, Pernambuco.

 NOTA: O grupo Lundgren havia construído uma cidade, que chamou de Paulista, a poucos quilômetros do Recife, onde implantou duas fábricas de tecidos. Para não demitir os técnicos do Eixo construiu um condomínio com casas de madeira onde alojou suas famílias, totalmente isoladas.

Meu pai, como era indispensável para operar as turbinas a vapor que geram a energia para as fábricas, foi autorizado a permanecer em casa, porem acompanhado por um soldado, 24 hora por dia. Dessa forma a empresa recebeu autorização do governo para operar.

Nesse ponto, chegou a nossa vez. A empresa providenciou o transporte da família, que estava na Vila Maria. Como estávamos em guerra, recebemos instruções para preparar nossas malas e aguardar, que um carro nos iria recolher. Dias depois o carro chegou e nos levou ao porto de Santos. Mesmo processo. Fomos colocados em um hotel. Aguardar. Dias depois, de surpresa, fomos colocados a bordo de um navio da Costeira, chamado Itaquicé.

Todos a bordo ! Para Recife !