19 janeiro 2022

O Papel nosso de cada dia

 


NOTA :  No dia 13 de Janeiro de 2012, portanto há exatamente dez anos, escrevi a crônica que abaixo transcrevo. E fi-lo, não porque me faltasse assunto pois assuntos jorram em catadupa sob a verborreia a que estamos expostos nestes tempos de Pandemonia sem acento nem endereço. Fi-lo, repito, pela atualidade que o tema apresenta nos dias de hoje. Esta crônica não chegou a ser publicada. Ficou mofumbada nos entulhos que circundavam os meus oitenta anos.

Acabo de receber um livro que comprei num sebo da Rua São José, centro do Rio. Foi editado em 1930. Comprei-o porque eu o havia lido aos 13 anos de idade e nunca mais o vi. O papel é áspero e está amarelado pelo tempo, cheio de manchas escuras causadas, provavelmente, pela acidez do papel e a umidade dos tempos. Era “Os Sertões” de Euclides Da Cunha. O volume original, agora perdido, me fora entregue por meu pai com a seguinte frase: “Se você quiser conhecer o Brasil leia este livro”.

Tenho também, devo confessar, uma edição da Divina Comedia, De Dante Alighieri, publicada de 1811. O papel é surpreendente alvo e mostra as ondulações dos cilindros de antimônio que prensavam a pasta de celulose, tecnologia que se usava na época.

A cada dia, livros e mais livros são publicados em telas de computador. Há quem diga que os livros de papel estão com os dias contados. Outros garantem que não. Não vou meter-me a discutir as vantagens ou defeitos de um e de outro, pois me falta preparo para tanto. Umberto Eco, o grande filólogo, fez isso de maneira magistral em duas obras: “A memória vegetal” e “Não contem com o fim do livro”. No primeiro, ele explica como a humanidade registrou suas memórias desde o tempo do papiro e analisa a efemeridade do papel como meio para preservar a informação. No segundo, escrito em parceria com Jean-Claude Carrière, escritor e roteirista de cinema, ele discute os méritos do livro de papel em confronto com os meios eletrônicos para a divulgação de textos. O resultado desse debate está contido no próprio título do livro.

 Mas eu não vim aqui para chorar a morte do livro de papel, assunto que deixo para os filólogos. Eu vim chorar a morte do papel como papel. Porque o papel está sendo substituído. Na correspondência trocada entre os literatos de um tempo se produziram notáveis obras literárias que chegavam aos seus destinatários numa folha de papel muitas vezes borrada por uma lagrima furtiva que rolava pela face da mulher amada, do amigo distante, do avô esquecido. Angústias, medos, esperanças, sonhos alegrias e tristezas, dificilmente poderão ser transmitidas por essas placas de vidro que são as telas de computador.

 Nas atividades quotidianas avisos, boletins, editais, manifestos, concorrências públicas, propostas comerciais, teses de doutorado e até notas fiscais não são mais feitas em papel. Qualquer documento hoje pode ser emitido por via digital e ficará gravado no seu celular. Não saia de casa sem ele. E se você for velhinho trate de arranjar um netinho que disponha de tempo. Do contrário você deixa de existir, antes mesmo de subir a Montanha de Narayama.

 As cômodas e higiênicas bolsas de papel nas quais se colocavam as compras do supermercado foram substituídas por sacolas de plástico. O dinheiro, que se chamava papel moeda, não é mais de papel. Foi substituído por um cartão de plástico ou por números armazenados num servidor eletrônico. Nada contra. Mas essas sacolas de plástico, por mais que queiram transformá-las em degradáveis, continuam entupindo rios e cloacas. Não quero me alongar na busca de exemplos para a substituição do papel, pois sei que isso não passa de saudosismo. O que faríamos hoje sem o plástico ?

 O que eu quero ver é como vão substituir o papel higiênico !

 Ledo engano.  Isso foi em 2012! Numa das viagens que fiz ao Japão encontrei, no hotel, um vaso sanitário com um chuveirinho escamoteado nas entranhas do mesmo que além de higienizar as partes  pudendas,  proporciona uma cosquinha no fi-o-fó do incauto hóspede.

 Mas tem que enxugar com papel !