O Bolodório
Companheiro inseparável da verborragia é o bolodório. Mais ameno do que aquela este, ainda assim, enrosca-se em nossas mentes num palavreado redundante, repetitivo e enfadonho. Basta observar nos noticiários da imprensa, falada ou escrita, como discutem políticos e comentadores, repetindo chavões e conceitos gastos e tautológicos. Sem falar na linguagem chula e ofensiva quando discutem entre si.
Eu mesmo tenho procurado me policiar quando me vejo cacarejando numa roda de amigos, ou martelando bravatas que o destino me levou a gravar em papel. Por falar nisso, o livro está se difundindo, o que me deixa muito feliz. Acabo de encontrar um, em um Sebo de São Paulo. Comprei-o e o estou relendo como se novo fosse, anotando as verborragias e bolodórios com que castiguei meus incautos leitores. O que me faz lembrar do meu amigo Cândido Albino das Neves, aquele brancola fogoió, perdido em Cabaceiras, na austera Paraíba.
Cansado da mesmice a que estava condenado, Cândido resolveu dar no pé. Em sua anástase, ressurgiu com alma nova. Mais puro, mais indulgente, mais humano. Antropomórfico, viu-se representado por um deus de oito braços abarcando um globo terrestre bífido que ele tentava manter unido. A seus pés uma cártula indicava o seu destino. Sua dromomania faria o resto. Temia ser considerado capto da mente e, antes que isso se confirmasse, mandar-se-ia para outros mundos. Novas terras, nova gente, novos ares. Novas cores, novos sons, novos sabores, novos amores.
Sua heterotopia deu-lhe fama. Fama e tédio. Não suportando mais a monotonia em que se metera, ouvindo bolodórios daqueles piriricas o tempo todo, excogitou sair-se da enrascadela e demandar por novos ares. Deixaria seus alunos com o assistente, aquele samango lutulento e mendaz que não fazia outra coisa senão preparar pernadas para tomar-lhe o lugar. Pois agora o teria.
Palavras, para que vos quero ? Para ter uma verborreia ? Para clamar aos quatro ventos ? Será que com elas consigo fazer rir ? Fazer chorar ? Saberei aproveitar as que me vieram nos sonhos como no caso de “A Pena da Morte”, quando vaguei a esmo, sem saber onde pousar o corpo nem o espírito:
“A pena desenhava no ar letras malfeitas
Que eu arrumava sem zelo, em linhas tortas
Para que fossem consideradas letras mortas
E assim passou-se o tempo
Minha alma levitava em desatino
Recusando-se a cumprir o seu destino:
Mergulhar no espaço sideral que eterno
dura
Onde pudesse iniciar vida mais pura”
Palavras, palavreado, palavrório, tagarelice, algaravia, cantilena, bolodório ...
Agora chega. Vou cuidar das minhas
tapiocas.