Roubei
do brilhante sociólogo ROBERTO DAMATTA o título “Quando eu for bem velhinho”, de sua
crônica publicada no jornal de hoje.
Porque acabo de sair de uma experiência que , por pouco, não me tira a oportunidade de vir a ficar “bem velhinho”. Vi a morte de frente.
Dentro
de um ônibus de turismo, no meio da madrugada, eu me encontrei mergulhando num precipício esperando apenas
achatar-me lá no fundo.
Depois
de uma freada violenta, o ônibus começou a derrapar de um lado para o outro da
estrada e, entrando numa curva, levantou as rodas do lado esquerdo e, aí,
percebi que ia capotar. O resto eu já podia imaginar. Lembro-me, com horror,
dos gritos desesperados dentro do veículo. Alguns passageiros, que não haviam
colocado o cinto de segurança, foram jogados para fora de suas poltronas. A
poucos graus do ângulo fatal o ônibus recuperou o seu equilíbrio. Descobrir a
causa do acidente foi fácil. Fiz as contas: o motorista estava dirigindo há,
exatamente, 15 horas contínuas.
Assim
que clareou o dia, comecei a
providenciar o nosso retorno por avião. Eu estava com minha filha e duas netas.
Continuar naquele ônibus seria um suicídio e um assassinato.
Não
vou mencionar o nome da empresa criminosa. Não quero que se pense que pretendo
tirar proveito da mesma, até porque nenhuma compensação pecuniária poderá
apagar a sensação de estar diante da morte.
Por
outro lado, esta experiência levou-me a
refletir sobre como eu gostaria de ser quando ficar “bem velhinho”.
Primeiro quero ampliar meu círculo de amigos.
São eles que nos mantêm jovens. Claro que, para isso, é preciso encontrar
pessoas, velhas ou jovens, que tenham paciência com velhos, principalmente quando
desatam a contar suas experiências passadas, como eu estou fazendo agora. Sabem o
que dizia Gabriel Garcia Marques? Ele escreveu: “Sabemos que estamos ficando
velhos quando, em uma roda de bate-papo, para cada assunto tratado, nós temos
um exemplo para servir de ilustração”.
Não
quero usar bengala e sair espantando
mosquitos à minha frente. Se não puder usar as minhas próprias pernas para
caminhar, ainda que tropegamente, ficarei em casa. Nela usarei um pedaço de bambu que cortei do meu
bambuzal em Friburgo e nele me apoiarei
curtindo as gratas recordações que me trará.
Não
quero usar cadeira de rodas para ir às ruas. Nunca vi nada mais triste do que
um velhinho desfilando numa calçada numa cadeira empurrada por uma criatura que
antigamente se chamava mucama, a face estática descolorida pelo tempo, o olhar fixo,
vítreo, fitando o infinito, como uma imagem congelada na tela de uma televisão
enguiçada. E a pobre mucama, de cara sofrida, cabeça inclinada para a frente, medindo os passos para não sacudir o
seu conduzido, mais parece estar
cumprindo uma pena imposta pela Santa Inquisição.
Não
quero ser mantido vivo com a ajuda de aparelhos. Não quero estar em uma UTI, o que quer que
essas letras signifiquem, ligado a uma
bomba que insufla ar sintético nos meus pulmões. Não quero estar plugado a uma
mangueira espetada no rabo ou onde quer que seja, uma cloaca que deveria
envergonhar a ciência médica. Não quero que me deem comida através de sondas.
Como vou poder sentir o sabor do vinho que me chega ao estômago através de vias
clandestinas? Vá lá que eu seja obrigado
a comer papinhas e banana amassada desde que seja com minha própria boca.
Se
eu não puder me alimentar com os meios que Deus me deu, deixai-me quieto. E eu
me deixarei esvair como se esvai a espuma que coroa as ondas na praia.
E
quando tudo estiver terminado, quando não houver mais eu, coloquem esta minha
roupagem sobre as chamas para que o fogo renovador me conduza ao espaço sideral
onde possa iniciar vida nova e retribuir tudo o que fizeram por mim, dar-lhes tudo o
que lhes neguei nesta vida por ignorância, preguiça, incapacidade ou simples
avareza.
N.B.
Se
quiser rir um pouco leia “A Pena da Morte”. Clique no nº 52 da lista aqui ao
lado.
Quero pedir
desculpas aos meus parcos leitores. Terminei a crônica sugerindo que lessem o
poeminha "A Pena da Morte" para rir um pouco. Mas esqueci que eu
havia mudado a última estrofe. Vou reproduzir a versão original e, com ela,
espero que riais. Se não rirdes, avisai-me, pois quem vai rir sou eu. Nem que
seja da conjugação do verbo.
Aqui jaz o bobão que achava
Que em sonho morreria
E bobão ele era
Porque morto já estava e não sabia
Aqui jaz o bobão que achava
Que em sonho morreria
E bobão ele era
Porque morto já estava e não sabia