Desde
o início o grupo se mostrou coeso e harmônico. Bem acomodados na compacta aeronave especialmente projetada para manter o calor humano - aquecei-vos uns aos outros - , despegamos do
chão sob o manto da “FLAJUR – Turismo de Aventura : Aprendendo com o cliente”.
A missão era perscrutar a bem sedimentada produção de vinhos na Serra Gaucha
aprendendo como associar o vinho à culinária. Para alegria dos principiantes, o
grupo incluía também quatro experientes
chefes, oriundos de outra Serra, a Serra
do Mar, no Estado do Rio, que contribuiriam para enriquecer o nosso
aprendizado.
Porto
Alegre nos recebeu com sua clássica temperatura de inverno, um friozinho sem
exageros. Embarcados na Nave Mãe, que nos aguardava no aeroporto, partimos para
Caxias do Sul ponto inicial das nossas visitas.
Depois
de perambular através de ruas e ruelas dobrando esquinas sem cessar, ora à
esquerda, ora à direita, para melhor aproveitar o silêncio da noite invernal
que chegava, fizemos uma parada técnica num hotel tipo “entre-cidades” para tomar uns tragos. Era um bar luxuoso, muito bem provido, e aí
pudemos recarregar nossas baterias. Os que não bebiam puderam desfrutar do
conforto das poltronas no amplo lobby, bem junto ao bar. Tão logo chegou a
informação de “operação realizada com sucesso” iniciamos a retirada em marcha
atlética, para gáudio da administração do hotel.
De
volta à Nave Mãe ocupamos nossos
confortáveis assentos, guardando um respeitoso silêncio.
A
noite prosseguiu com um “city by night” pela ruas e atalhos ondulantes de
Caxias, iluminados por uma fulgurante lua cheia e, por fim, chegamos ao nosso
destino: The Personal Royal Hotel.
Amplo,
moderno e confortável. Atendentes solícitos e simpáticos, tudo muito acolhedor.
Passamos no bar para dar início aos trabalhos com uma grappa da Valduga. Nossos chefes e outros
interessados em gastronomia saíram para conhecer restaurantes locais. Eu e
minha mulher que sempre me acompanha nas horas difíceis, preferimos jantar no
próprio hotel. Para encorajar os petiscos servidos
abrimos um alentado Extra Brut da Cave Geisse. Terminamos com um
excelente Villa Lobos da Valduga.
Manhã
de esplendor sob os céus de Bento
Gonçalves. O sol explode no firmamento e espalha tintas como um pintor
desastrado. O frio chega na medida certa. Nosso alvo? Casa Valduga, no Vale dos Vinhedos, onde nos
espera um mundo de conhecimentos e prazeres. Guiados pelo mago Tasso, enólogo
da Casa e provável reencarnação de Torquato, o poeta latino, percorremos todo o
processo de produção, descrito com grande competência e salpicos de poesia.
Depois de uma longa degustação, onde desfilaram os melhores vinhos da Casa, foi
exibido um filme que mostra a historia da família Valduga, chegada ao Rio
Grande do Sul com os primeiros imigrantes Vênetos. No almoço somos brindados
com a companhia de Juarez Valduga, um dos três irmãos que comandam a Vinícola.
De uma simplicidade exemplar, o grande empresário nos explica porque e como
expandiu suas instalações e ampliou sua produção sem perder as características
e a qualidade típica dos vinhos de produção limitada. Com emoção, explicou as
dificuldades que teve de encarar na tomada de decisão em cada etapa do projeto,
especialmente na diversificação dos produtos. Depois de brandy, grappa sucos e
geleias, Valduga agora se prepara para lançar uma linha de chás. Sem
dúvida um belo exemplo de um grande empresário.
À
tarde, corrida para a Vinícola Dal
Pizzol, um simpático ambiente que reúne história e pesquisa. Em meio a um museu
de antigos apetrechos usados pelos primeiros colonos Vênetos na fabricação do
vinho encontra-se uma cantina, embutida em um velho forno de cerâmica. Nela
encontram-se os vinhos, alguns velhíssimos, com os quais o Sr. Antônio Dal
Pizzol estuda o processo de amadurecimento. Ao lado começa um extenso vinhedo
onde estão plantadas, pelo menos um
exemplar, quase todas as castas do
mundo.
Fomos recebidos pelo Sr. Antonio com a
simplicidade e cortesia típicas dos velhos vinhateiros da Serra Gaucha. No
jantar que nos ofereceu, com pratos da típica cozinha Vêneta, proporcionou-nos
um exercício interessante:
Primeiro
provamos um vinho raro da sua coleção, um Cabernet Sauvignon, safra 1995. Em seguida cinco
Tannat: safras 2004-05-09-10-12. Cada participante atribuiu uma nota aos
vinhos. Tirou-se a média das notas dos participantes, a qual foi comparada com
a nota atribuída pelo Sr. Antonio, sommelier da Vinícola. Ao cabo de cada
degustação ele tecia comentários específicos sobre cada safra. Fiquei orgulhoso
pelo nosso grupo pois as médias encontradas ficaram muito próximas das notas do
nosso grande mestre, Antonio Dal Pizzol.
Segunda
feira tenebrosa na Serra Gaúcha. Ao acordar, relâmpagos, trovões e chuva em
catadupa. O dia nem parecia ter chegado, tal era a escuridão nos céus.
Precisávamos ir a Pinto Bandeira, no topo da montanha, por uma estrada pouco
gentil. Mas a habilidade até então ignorada do nosso cinesíforo, estimulada
pela veia irônica dos passageiros, levou-nos a bom termo.
Lá
no fundo da Nave alguns gritavam: “Abre ozarrrrrrr!”.......”Abre oz arrrrrr!”...... Outro profetizava: Hoje é
sábado!.... Hoje é sábado! E o sábado
feliz perpetuou-se até o fim da viagem.
Em
resposta, nosso condutor fazia gestos com a mão e acenos com a cabeça mas nunca
descobri se por consentimento ou desolação.
Não
levou muito e chegamos ao topo da colina.
Visita ao Santuário dos espumantes: a Cave
Geisse, criação do enólogo Mario Geisse que veio do Chile para implementar a
Casa Chandon e acabou descobrindo o terroir
onde criaria seus espumantes hoje premiados em vários países do mundo,
inclusive na França. Voltou para o Chile como enólogo da Casa Silva deixando
seus filhos na administração da Cave Geisse, na Serra Gaucha. Entre eles está o
Daniel, que nos recebeu. Velho amigo da FLAJUR, Daniel esmerou-se no
atendimento, colocando sua cozinha à disposição dos nossos chefes. Depois de um
longo percurso entre tonéis e garrafas para aprender como é feito o espumante,
passamos a uma detalhada degustação e, em sequência, ao almoço e... surpresa!
Um cozido à moda da Serra tendo como epicentro os defumados produzidos por Jurandyr, o Mago, no seu mosteiro de Nova Friburgo.
Acompanha
o cozido um psicodélico pirão que foi disputado a facadas....
......epa!
eu quis dizer.... a colheradas, pela turma que, em bloco, o circundava. Nesse
momento, não pude deixar de lembrar-me do meu amigo Severino Mandacaru, meu
companheiro na roça de macaxeira em Cabaceiras, na Paraíba, que dizia: “Farinha pouca, meu pirão
primeiro”.
O
momento que se seguiu foi sublime. Jurandyr, o Bom dirigiu-se ao Daniel para
felicitá-lo pelo eficiente trabalho desenvolvido à frente da Cave Geisse e
agradecer-lhe a calorosa acolhida que
nos proporcionara. Então, estalando os dedos, materializou uma bicicleta de
bambu informando que era um presente do grupo para o nosso querido anfitrião.
Para quem não sabe, Jurandyr, entre uma fumaça e outra, produz bicicletas cujos
quadros são feitos de bambu no lugar dos convencionais canos metálicos. Uma
preciosa contribuição para tornar este mundo em decomposição um pouco mais
saudável. Daniel, incrédulo e contente, a acariciava, narrando os passeios que
costumava fazer em bicicleta percorrendo seus vinhedos.
Terça
feira e o sol volta a brilhar. Visita a Lidio Carraro em Bento Gonçalves. Uma
detalhada explicação sobre o conceito da vinícola: produzir vinhos amadurecidos
em garrafas, sem uso de madeira. Degustação completa e farta, como sempre.
Almoço na estrada, com cappelletti in brodo, polenta, radicchio, galeto e...
sagu ao vinho. Ah! Esses venezianos... ainda bem que a sobremesa é à base de
macaxeira. Findo o almoço, direto para a hospedaria.
A
feliz combinação de montanha, sol de inverno, as plantações em curvas de nível,
o estilo rústico dos chalés construídos em rocha de basalto, criou uma
atmosfera de conto de fadas. O Borghetto Sant’Anna, no Vale dos Vinhedos, é
mais do que uma simples pousada. É um Templo. É um centro para introspecção.
Para repouso e meditação. Para intercâmbio de amor e sentimentos. Para
distribuir sorrisos, doar gargalhadas, chorar de alegria.
Os
chalés construídos em pedra bruta, com seus quartos que invadem a rocha ou a
rocha que invade a sala, reportam-nos às cavernas dos trogloditas provocando
instintos primitivos. O despertar, nesse
ambiente, é uma ressurreição. E, aí, lembramo-nos o que havia acontecido na
vida anterior: havíamos sido surpreendidos com um jantar preparado pela
imprevisível FLAJUR que, mais uma vez, tirava da cartola ingredientes trazidos de outras Serras.
Queijo de Nova Friburgo que se transformaria num delicioso fondue,
complementado com um fondue de carne, mas não o gorduroso burghignonne e sim o
chabu chabu da cozinha oriental. Ambos fartamente irrigados com brancos e
tintos.
Fim
da aventura. Dia seguinte, retorno aos pagos. Curtir as lembranças, a saudade,
alimentar as novas amizades. Por isso conclamo a todos para que nos encontremos
em uma taverna, não uma taverna qualquer, mas a taverna dos nossos corações. E
faremos isso ao som de “In taberna quando sumus”, trecho da cantata “Carmina
Burana” de Carl Olff. Um brinde a todos!