“Livraria Leonardo da Vinci anuncia
fechamento”
A
notícia de quinta feira, 29 de Maio de 2015, ocupava meia página do jornal. O
negócio tornara-se comercialmente inviável. Na matéria, os jornalistas Mateus
Campos e Maurício Meireles fizeram um excelente retrospecto da atividade da
Livraria destacando a importância de sua participação no mundo literário. Entre
outros aspectos, ressaltaram:
“Nas
estantes da Leonardo Da Vinci ainda repousam livros cujo preço original era
cotado em pesetas espanholas e francos, da França, por exemplo. As obras, que
fazem parte de um estoque estimado em mais de cem mil exemplares, foram
compradas antes do surgimento do euro, em 2002 e esperam até hoje para serem
vendidas.”
Cem
mil livros!
Nunca
fui um frequentador assíduo da Leonardo. De vez em quando passava por lá e
comprava um par de livros, principalmente quando procurava algo em italiano ou
espanhol. Conheci Dona Giovanna, que me encantava mais pelo seu sotaque do que
pelo conteúdo de nossas conversas posto que,
por timidez minha, falávamos pouco: tem,
não tem, é bom, não é, tá esgotado, vai chegar... Era assim.
Mas
ocorreu que, certa ocasião, eu precisei visitar a Da Vinci durante cinco dias
corridos e desta vez eu não comprei nada. Apenas percorria os corredores das
salas, cabeça baixa, meditativo. Fazia uma pausa, olhava para o alto, e
prosseguia. Eu precisava saber quantos livros havia dentro da Livraria. Isso
foi no mês de Maio de 2011. Obviamente, eu não podia perguntar à Dona Giovanna
qual era o estoque de sua livraria. Então contei os livros. E constatei que,
dentro daquelas salas, haveria, pelo menos, um total de 86.400 livros. Agora o
jornal nos informa que há, hoje, “um estoque estimado em mais de cem mil
exemplares.” Uma diferença de 13.600 livros,
isto é, apenas 13,6 por cento.
Errei
feio? Não. Principalmente se levarmos em conta o tempo atual - Maio de 2015 - e
o tempo da minha contagem - Maio de 2011
- um lapso de quatro anos, durante os quais a livraria continuou crescendo,
ampliando seu estoque.
Bem,
acho que chegou a hora de explicar por
que eu fui contar os livros nas prateleiras da Livraria Da Vinci e como foi que consegui chegar ao fabuloso número de 86.400.
No
dia 14 de Maio de 2011 eu publiquei no “Memórias
de Um Vago” uma crônica com o título de “ESCREVER”.
Nesses dias eu passava por uma angústia muito grande, debatendo-me entre o
escrever e o ler, a palavra e a imagem, o papel e a tela do computador e,
acreditem, entre a carta de papel com selo do correio e o e-mail. Para atenuar
meu sofrimento, resolvi discutir o assunto com o Severino Mandacaru, meu amigo
das horas incertas. Se quiser conhecer o teor da conversa, o meu incauto leitor
poderá clicar na crônica “Escrever” ,
que tem o número 61 no Índice que se encontra na coluna esquerda da página de
abertura do blog. Para os mais ocupados transcrevo apenas a
parte que explica a metodologia que usei para encontrar o número que buscava.
Poderá
ser útil a livreiros, bibliófilos e curiosos.
E para quem gosta de aventuras.
Eu
disse para o Severino:
“--
Você certamente conhece a Livraria Leonardo Da Vinci. Sabe quantos livros tem
lá dentro?
--
Não, por que? Você sabe?
--
Sei. Eu contei.
--
Impossível, você está maluco. Ninguém conseguiria fazer isso. Você perguntou
pra Dona Giovanna?
--
Não. Não me atrevi, seria indiscreto. ela poderia achar que sou um
concorrente... sei lá... mas eu calculei. São 86.400 livros, com pequena margem
de erro.
--
Nem vou lhe perguntar como você conseguiu fazer isso.
--
Veja bem, vou simplificar: a livraria tem
5 salas com estantes que vão até o teto. Cada estante é dividida em
compartimentos, todos iguais, graças ao bom senso do marceneiro. Achar o total
de compartimentos foi fácil. Contei o numero de livros que existe em cada
compartimento e chequei, por amostragem, com alguns outros, pois nem todos os
livros têm a mesma espessura. Assim cheguei a um valor médio representativo,
com boa margem de segurança, de todo o conjunto. Os compartimentos que
armazenam dicionários e livros de arte, que são notadamente mais grossos, foram
tratados em separado e receberam um coeficiente de correção. No piso da loja
também há livros, distribuídos em gôndolas, cuja quantidade pode ser facilmente
calculada tomando-se o número de livros por metro quadrado. O meu passo é bastante
regular e com ele posso medir qualquer distancia com erro menor do que dois por
cento. Determinada a área de cada sala tem-se o total de livros, com o cuidado,
naturalmente, de descontar o espaço ocupado pelas vias de acesso, escadas,
mesas e cadeiras da administração, coletores de lixo, e onde ...”
A
cidade inteira está pranteando o desenlace da Leonardo da Vinci. Hoje, 1º de Junho, foi a vez do Joaquim Ferreira dos
Santos chorá-la:
“Em
mais uma pá de cal... ... a cidade sem
letras sepulta a Leonardo da Vinci na caverna onde já estava moribunda, nas catacumbas
insalubres do Marquês do Herval” diz Joaquim, na sua brilhante crônica do
Segundo Caderno.
Para
mim é mais uma alma que se vai, deixando-me um remorso por não tê-la amado mais,
não ter-lhe sido mais assíduo, não tê-la assistido melhor, como merecia.
Alivia-me a culpa ter-lhe contado os livros.