“Pelo menos, agora, tenho um motivo
para acordar no dia seguinte,”
Anne Frank
Tenho medo de acordar no dia seguinte.
Leio os jornais todas as manhãs. As manchetes são desoladoras. Os editais,
assustadores. Discutem temas escabrosos e revelam conflitos insuperáveis.
Deixam a impressão de que o mundo se tornou ingovernável. O ser humano
desandou. A corrupção ocupa a maior parte do espaço nos jornais, numa avalanche
incontrolável. Espalha-se por capilaridade. Do ministro e do alto executivo
chegou ao quitandeiro e ao guarda da esquina.
Seguem-se as notícias policiais, os
acidentes nas estradas, incêndios, desabamentos e enchentes. Assaltos, roubos,
assassinatos e balas perdidas. Conflitos entre traficantes e policiais. Pais
que matam filhos e filhos que matam pais. Tudo é morte. Greves, agitações
populares e invasões de terras. Os governantes não se entendem. Partidos
políticos disputam o poder pelo poder. Não se nota um interesse legítimo por um
mundo melhor.
Da televisão, desisti. Nos seus
duzentos canais repete, à exaustão, as mesmas notícias, intercaladas por longos
comerciais que glorificam o consumo exacerbado de produtos supérfluos,
dispensáveis e até nocivos à saúde. Existem bons programas, sem dúvida. Mas até
chegar a eles gastou-se um tempo enorme, precioso, sem falar que o expectador
incauto perde-se no caminho, vítima de sua própria ingenuidade. Volto os olhos
para o Exterior e o quadro é ainda mais desanimador. Guerras fratricidas,
ataques terroristas, conflitos étnicos, intolerância religiosa, fanatismo
político. Mortes. Tudo é morte.
Procurei uma notícia que me desse um
motivo para acordar no dia seguinte.
Encontrei-a na forma de um poema, um
verdadeiro hino à esperança. Foi escrito por Antonio Roberto Fernandes, um
modesto poeta do interior. Ele me deu a certeza de que haverá um amanhã. É meu
dever transcrevê-lo.
Mas
Antonio Roberto Fernandes
E
eu que achei que a lua não brilhasse
sobre os mortos no campo da guerrilha,
sobre
a relva que encobre a armadilha
ou sobre o esconderijo da quadrilha,
Mas brilha.
E achei que nenhum pássaro cantasse
se
um lavrador não mais colhe o que planta,
se
uma família vai dormir sem janta
com
um soluço preso na garganta.
Mas canta.
Também pensei que a chuva não regasse
a folha
cujo leite queima e cega
a carnívora flor que o cego inseto pega
ou o espinho oculto na macega,
Mas rega.
Pensei também que o orvalho não beijasse
a venenosa cobra que rasteja
no silêncio da noite sertaneja
sobre a ruína de esquecida igreja,
Mas beija.
Imaginei que a água não lavasse
o chicote que em sangue se deprava
quando, de forma monstruosa e brava,
abre trilhas de dor na carne escrava
Mas lava.
Apostei que nenhuma borboleta
por ser um vivo exemplo de esperança
dançaria
contente, leve e mansa
sobre
o túmulo em flor de uma criança,
Mas
dança.
Por isso achei que eu não mais fizesse
poema algum após tanto embaraço,
tanta decepção, tanto cansaço
e tanta espera, em vão, por teu abraço,
Mas faço.