Minha alma vagava em desatino
Negando-se a cumprir o seu destino:
Mergulhar no Espaço
Sideral que eterno dura
Onde pudesse encontrar vida
mais pura
(Severino Mandacaru – em “A pena da Morte” –
Março 2011)
Encontrei
no Mahabaharata, o grande livro religioso do hinduísmo, uma pergunta que me
causou efeito: “ Qual é a coisa mais
assombrosa do mundo, Yudhisthira? ” E o sábio líder dos hindus respondeu:
“
A coisa mais assombrosa do mundo é que ao redor de nós as pessoas podem estar
morrendo e não percebemos que isso pode acontecer conosco.”
É
difícil imaginar que alguém, aos trinta anos de idade, venha a se preocupar com
uma coisa dessas. Mesmo tendo alcançado a chamada “meia idade” que ninguém sabe
direito o que é, as pessoas ainda estão empenhadas em melhorar de vida lutando
contra quilinhos a mais, falta de espaço nas praias, restaurantes caros, filhos ingratos, vizinhos
safados e, suprema desgraça, um chefe escroto.
Mas
imaginem como seria diferente este nosso mundo se as pessoas dessem importância ao Mahabaharata e lembrassem que também morrerão
um dia.
A
começar pelos motoristas de ônibus no Rio de Janeiro que se glorificam por
derrubar passageiros, com suas freadas e acelerações violentas. Ao pensar
nisso, mudariam a maneira de conduzir seus veículos pois se dariam conta de
que, a cada freada, não só os passageiros mas também eles, estariam mais
próximos da morte.
Bem,
este é apenas um exemplo simples, mas é fácil imaginar como se comportariam os
ocupantes de cargos nas diversas categorias sociais – no serviço público,
serviços financeiros, escolas, hospitais, na política, igrejas de qualquer
espécie, vendedores do comércio varejista e ... cruz credo ... atendentes dos
“Call Center”. Garanto que este mundo - do qual todos serão aliviados um dia – seria
frequentado por gente civilizada e a vida transcorreria do modo bem mais
alegre. Porque, sabemos todos, a vida de que estamos falando termina aqui. Mas
a outra, a do Severino e seu espaço
imenso, continua. Então, por que não nos prepararmos desde cedo para esta
espécie de aposentadoria... quero dizer... passagem para a outra vida?
Quando
me dei conta de que comecei a perder colegas de escola, amigos que eu
encontrava na padaria e escritores que admirava, percebi que nossos velhos
estão morrendo. Deixemos que partam, e alegremo-nos, pois foram cumprir a
missão para a qual foram chamados. Contudo, estas últimas viagens – refiro-me
aos escritores - me pareceram precipitadas. Pra que essa pressa, um atrás do
outro, diferenças de semanas ou poucos meses?
Nossos
velhos estão morrendo, está bem, mas não precisamos ajudá-los a morrer. Não?
Pois
não é bem assim que pensa o ministro Taro Aso, titular das Finanças do Japão.
Ele declarou, no início do ano passado, que “Os idosos doentes deveriam apressar-se a
morrer. Deus me livre de ser obrigado a viver se quisesse morrer” disse ele num
encontro do Conselho Nacional de Seguridade do Japão.
Suas
palavras causaram indignação em todo o mundo e ele logo se desculpou,
explicando que estava impressionado com o impacto dos gastos de saúde com
idosos nas contas públicas. E continuou: “Eu acordaria me sentindo cada dia
pior sabendo que o tratamento foi todo pago pelo governo”. No seu pedido de
desculpas o Ministro Taro Aso concluiu:
“Disse
o que eu acredito pessoalmente e não o que deveria ser o sistema de cuidados
médicos para doentes terminais. É
importante que você seja capaz de gastar os últimos dias de sua vida
pacificamente”.
Sou
obrigado a concordar com o Ministro. Ele se referia, obviamente, aos métodos
artificiais de prolongamento de uma vida
já sem perspectivas e que constituem uma tortura para os que partem e os que
ficam. O filme de Marco Bellocchio, (2012) “ Bella Addormentata” – creio que
foi traduzido para “A Bela que dorme” - trata desse assunto. É baseado na
história real de Eluana Englaro, uma italiana que viveu 17 anos em estado
vegetativo, durante os quais sua família lutou para que a justiça autorizasse o
desligamento dos aparelhos. O filme, polêmico, discute os aspectos morais e
religiosos que envolveram o caso, bem como suas implicações políticas.
Não
tenho opinião formada sobre a eutanásia. Mas de uma coisa estou certo: gostaria
de morrer em bom estado.
Para
quem viu “A Balada de Narayama”, o filme japonês premiado em Cannes, em 1983, uma história
verídica sobre a viagem final de que estamos falando, será mais fácil entender
o Ministro. Até fins do Século XIX existia, em algumas partes do Japão, uma
estranha tradição. Devido a penúria e escassez de alimentos em que vivia a
população, quando o idoso chegasse ao ponto em que não podia mais prover o seu
sustento, era levado pelo filho mais velho até o topo da montanha de Narayama,
considerada sagrada, e ali o deixaria, sentado, até se extinguir. Na história
uma velha mãe, apesar de ainda em boa forma, mas sabendo que uma boca a menos
para alimentar seria importante para a família obriga o filho a levá-la.
Bem,
no mundo de hoje não temos do que nos queixar. Reclamar porque o reajuste das
aposentadorias dos super-velhos não acompanha
a inflação, não faz sentido depois do que disse o Ministro Taro Aso. Seus
apelos estão sendo atendidos de maneira
discreta, na medida em que os planos de saúde são reajustados acima da taxa de
inflação embora remunerem os médicos
de
maneira ignóbil. Sem falar na contribuição dada pelo aumento do preço dos
remédios. Mas, pelo menos, ainda resta uma coisa boa. Nossos velhinhos podem
viajar de graça nos ônibus. É só aguentar as freadas.