25 janeiro 2015

Mergulhar no Espaço Sideral


Minha alma vagava  em desatino
Negando-se  a cumprir o seu destino:
Mergulhar no Espaço Sideral  que eterno dura
Onde pudesse encontrar vida mais pura
                               (Severino Mandacaru – em “A pena da Morte” – Março 2011)


Encontrei no Mahabaharata, o grande livro religioso do hinduísmo, uma pergunta que me causou efeito:  “ Qual é a coisa mais assombrosa do mundo, Yudhisthira? ” E o sábio líder dos hindus respondeu:
“ A coisa mais assombrosa do mundo é que ao redor de nós as pessoas podem estar morrendo e não percebemos que isso pode acontecer conosco.”

É difícil imaginar que alguém, aos trinta anos de idade, venha a se preocupar com uma coisa dessas. Mesmo tendo alcançado a chamada “meia idade” que ninguém sabe direito o que é, as pessoas ainda estão empenhadas em melhorar de vida lutando contra quilinhos a mais, falta de espaço nas praias,  restaurantes caros, filhos ingratos, vizinhos safados e, suprema desgraça, um chefe escroto.
Mas imaginem como seria diferente este nosso mundo se  as pessoas dessem importância ao  Mahabaharata e  lembrassem que também  morrerão  um dia.
A começar pelos motoristas de ônibus no Rio de Janeiro que se glorificam por derrubar passageiros, com suas freadas e acelerações violentas. Ao pensar nisso, mudariam a maneira de conduzir seus veículos pois se dariam conta de que, a cada freada, não só os passageiros mas também eles, estariam mais próximos da morte.
Bem, este é apenas um exemplo simples, mas é fácil imaginar como se comportariam os ocupantes de cargos nas diversas categorias sociais – no serviço público, serviços financeiros, escolas, hospitais, na política, igrejas de qualquer espécie, vendedores do comércio varejista e ... cruz credo ... atendentes dos “Call Center”. Garanto que este mundo - do qual todos serão aliviados um dia – seria frequentado por gente civilizada e a vida transcorreria do modo bem mais alegre. Porque, sabemos todos, a vida de que estamos falando termina aqui. Mas a outra,  a do Severino e seu espaço imenso, continua. Então, por que não nos prepararmos desde cedo para esta espécie de aposentadoria... quero dizer... passagem para a outra vida?

Quando me dei conta de que comecei a perder colegas de escola, amigos que eu encontrava na padaria e escritores que admirava, percebi que nossos velhos estão morrendo. Deixemos que partam, e alegremo-nos, pois foram cumprir a missão para a qual foram chamados. Contudo, estas últimas viagens – refiro-me aos escritores - me pareceram precipitadas. Pra que essa pressa, um atrás do outro, diferenças de semanas ou poucos meses?
Nossos velhos estão morrendo, está bem, mas não precisamos ajudá-los a morrer. Não?

Pois não é bem assim que pensa o ministro Taro Aso, titular das Finanças do Japão. Ele declarou, no início do ano passado, que  “Os idosos doentes deveriam apressar-se a morrer. Deus me livre de ser obrigado a viver se quisesse morrer” disse ele num encontro do Conselho Nacional de Seguridade do Japão.
Suas palavras causaram indignação em todo o mundo e ele logo se desculpou, explicando que estava impressionado com o impacto dos gastos de saúde com idosos nas contas públicas. E continuou: “Eu acordaria me sentindo cada dia pior sabendo que o tratamento foi todo pago pelo governo”. No seu pedido de desculpas o Ministro Taro Aso concluiu:
“Disse o que eu acredito pessoalmente e não o que deveria ser o sistema de cuidados médicos para  doentes terminais. É importante que você seja capaz de gastar os últimos dias de sua vida pacificamente”.

Sou obrigado a concordar com o Ministro. Ele se referia, obviamente, aos métodos artificiais de prolongamento de uma  vida já sem perspectivas e que constituem uma tortura para os que partem e os que ficam. O filme de Marco Bellocchio, (2012) “ Bella Addormentata” – creio que foi traduzido para “A Bela que dorme” - trata desse assunto. É baseado na história real de Eluana Englaro, uma italiana que viveu 17 anos em estado vegetativo, durante os quais sua família lutou para que a justiça autorizasse o desligamento dos aparelhos. O filme, polêmico, discute os aspectos morais e religiosos que envolveram o caso, bem como suas implicações políticas.
Não tenho opinião formada sobre a eutanásia. Mas de uma coisa estou certo: gostaria de morrer em bom estado.

Para quem viu “A Balada de Narayama”, o filme japonês  premiado em Cannes, em 1983, uma história verídica sobre a viagem final de que estamos falando, será mais fácil entender o Ministro. Até fins do Século XIX existia, em algumas partes do Japão, uma estranha tradição. Devido a penúria e escassez de alimentos em que vivia a população, quando o idoso chegasse ao ponto em que não podia mais prover o seu sustento, era levado pelo filho mais velho até o topo da montanha de Narayama, considerada sagrada, e ali o deixaria, sentado, até se extinguir. Na história uma velha mãe, apesar de ainda em boa forma, mas sabendo que uma boca a menos para alimentar seria importante para a família obriga o filho a levá-la.

Bem, no mundo de hoje não temos do que nos queixar. Reclamar porque o reajuste das aposentadorias dos super-velhos  não acompanha a inflação, não faz sentido depois do que disse o Ministro Taro Aso. Seus apelos estão sendo atendidos  de maneira discreta, na medida em que os planos de saúde são reajustados acima da taxa de inflação embora remunerem os médicos
de maneira ignóbil. Sem falar na contribuição dada pelo aumento do preço dos remédios. Mas, pelo menos, ainda resta uma coisa boa. Nossos velhinhos podem viajar de graça nos ônibus. É só aguentar as freadas.