Tenho saudades
das viagens que fiz e mais ainda das que não fiz. Quantas vezes, perdido num
bairro cinzento dos arredores de Londres ou comendo tortillas de oloroco na
varanda de um bar em El Salvador ou,
ainda, fazendo Cooper nos jardins do templo Prat Keo, em Bangkoc, prometi a mim
mesmo que um dia voltaria ali com minha mulher e meus filhos. Não cumpri a
promessa e minha vida continuou numa avassaladora sucessão de embarques e
desembarques, reuniões e relatórios, acordos e desacordos, contratos e distratos.
De tanto trabalho e sofrimento pouco restou a não ser a saudade que me acalenta
nos momentos de solidão, já que não tenho voz para cantar nem habilidade para
dedilhar uma harpa. Alimentando a saudade
resta agora um amontoado de memórias que, como disse Humberto Eco, estão
destinadas a receber uma etiqueta com o aviso
“lembrar-me mais tarde” ou,
então, serão deixadas em repouso para amadurecer. Como os vinhos.
De uns tempos
para cá tenho passado meus dias fazendo monótonas viagens de ônibus entre
Friburgo e o Rio de Janeiro. O trânsito caótico do Rio tem-me desestimulado a
dirigir, coisa que só faço quando tenho algo a transportar. Por outro lado,
dirigir um automóvel com 1.000 cc de motor
faz com que a viagem, além de
monótona, se torne cansativa e estressante.
No entanto, já
fiz viagens bem mais interessantes na minha vida. Algumas se destacaram pelo inusitado da rota.
Outras, pelo deslumbramento da paisagem, ou pela inclemência do tempo ou pela
bizarrice do convívio. Não faltaram, também, viagens bucólicas, como a que fiz,
por trem, entre Salvador e Nazaré das Farinhas, na Bahia, contornando a baia de
Todos os Santos onde, em certos trechos, o trem andava tão devagar que alguns
passageiros saltavam para colher a cana que crescia ao longo da estrada,
voltando ao trem alguns vagões atrás. Era muito divertido. Eu levava um
toca-discos portátil, operado a bateria, o máximo da tecnologia para aquela
época. Coloquei para tocar um disco com as canções de Lampião cantadas por
Volta Seca e, em pouco tempo, todos estavam dançando xaxado dentro do vagão.
Fiz uma viagem,
pela Varig, de Tókio ao Rio de Janeiro, que durou trinta e três horas sem sair do
avião. Deu a volta pelo Pacífico. De Tókio a Los Angeles foram doze horas, com
escala no Haway. O restante foi distribuído entre Caracas, Bogotá, Quito, Lima,
La Paz, Santiago, Buenos Aires e Rio de Janeiro. A cada escala, gente nova.
Conheci Astecas, Incas, Quechuas, Mapuches e Guaranis, bem como os
indefectíveis Portenhos. Quando desembarquei, claro, os pés não cabiam nos
sapatos. Quem viajou naquela época sabe do que estou falando.
No caminho
inverso viajei de Frankfurt a Tókio num voo
experimental da Lufthansa, sobrevoando o Polo Norte, com a finalidade de
estudar
não-sei-o-que. Havia uma espécie de periscópio espetado no teto,
manejado por um tripulante, que o fazia subir e descer, fazendo anotações
apressadas. Voávamos a baixa altitude, o que me consolava, pois imaginei que se
caísse, o avião deslizaria suavemente como um esqui sobre aquela imensa placa
de gelo que não terminava nunca.
Vi os mais lindos
batiks da minha vida pendurados em varais,
à beira de uma estrada de ferro em Jakarta, Indonésia. Em viagem para Bandung, distante cerca de quatrocentos
quilômetros de Jakarta, o trem vai o tempo todo serpenteando montanha acima em baixíssima velocidade.
Olhando pela janela eu contemplava as encostas cobertas de mata quando, subitamente, perdi o fôlego. Eu me vi
simplesmente suspenso no ar, dentro de um vagão que continuava sua marcha, sem
ter nada que o sustentasse. Só ao chegar na primeira curva foi que percebi a
pequena estrutura feita de sarrafos de madeira onde se apoiavam os trilhos. E
só eles.
Fiz, a pé, uma
viagem em direção ao centro da terra. Não caminhei mais do que um quilômetro
dentro de um túnel com uma pendente que daria, creio eu, cerca de vinte por
cento. Envolto em um espesso capote percorri o caminho iluminado por pequenas
lâmpadas bruxuleantes devidamente escamoteadas nas paredes da rocha. Estava em
Viena onde, na véspera, eu me havia esbaldado nas festas da vindima em Grinzing,
abusando daquele vinho branco voluptuoso e enganador. Não posso dizer que me
cansei com a caminhada mas eu sentia um leve torpor e estou seguro que não era
consequência da esbórnia da véspera. Foi quando dei de frente com um enorme
lago, que refletia tantas luas quantos eram os holofotes que o iluminavam. Um
deslumbramento. O silêncio, a quietude do ar, a água imovel, faziam do lago uma placa sólida que se perdia
na penumbra sem que se pudesse ver a
margem oposta. Fiquei preso ao chão esperando que um anjo descesse e me
fizesse desaparecer no centro do lago.
Apareceu um barco
a remo, manejado por um baixinho parrudo que, imaginei, deveria ter sido
mandado por Guilherme Tell. Navegamos a
torto e a direito, perturbando a quietude das águas. Eu contemplava as ondas em
círculo que se expandiam a partir de cada pingo d’água que caia dos remos.
Aportamos na outra margem. Mais uma caminhada de quinze minutos na penumbra
onde o relógio não marca as horas e, subitamente, outro lago! Outro passeio de
barco, tendo como paisagem a escuridão. Eu custava a acreditar que pudesse
existir tal coisa escondida nas
profundezas da terra.
Estes lagos
subterrâneos são uma das atrações turísticas mais interessantes da Áustria. No entretanto, são
pouco conhecidas. Conversei com vienenses que sabiam da sua existência mas
nunca as tinham visitado. A maior parte
deles nem sabia que existiam.
Outra viagem em
direção ao centro da terra são as grutas de Frassassi. Esta, juntamente com uma viagem na superfície
do mar, em plena adolescência, ficarão
para outra oportunidade.