No
início dos anos 90 os jornais não paravam de anunciar: “Os Chineses estão chegando!”
Ao passar para a economia de mercado a China entrou num processo de crescimento
acelerado, invadindo os mercados externos. Hoje, os jornais alardeiam: “Os
Chineses chegaram!”
Governos
e Empresários tentam explicar o que estão fazendo os Chineses, e procuram,
desesperadamente, conter a invasão de
seus produtos, colocados aqui a preço de bolo de goma. Aqui e no resto do
mundo. Na sua crônica de 12 de Março último “A China e nós”, Paulo Guedes
analisa esse problema com grande maestria, a partir de uma pergunta que lhe
fizeram em todos os lugares por onde andou no que ele chama, modestamente, “um
rápido giro pelo exterior”: três capitais da Europa e as cinco maiores cidades
dos Estados Unidos. A pergunta foi: “A desaceleração econômica da
China pode derrubar a dinâmica do crescimento brasileiro?” Vale à pena ver o texto de Paulo Guedes que, além da análise
brilhante, brinda-nos com uma pérola de bom humor: “A atuação particularmente
pirotécnica do Federal Reserve, o banco central americano, ao desvalorizar
continuamente sua moeda ...”
Anos
atrás tive a oportunidade conviver com os Chineses. Quando eu me dedicava à
elaboração de projetos para a indústria têxtil trabalhei com um grupo de
empresários interessado em montar uma fábrica no Brasil. Estávamos em Natal,
Rio Grande do Norte, onde a fábrica seria instalada. Apresentei-lhes,
orgulhosamente, o anteprojeto que havia elaborado no qual eu mostrava que, com
a taxa de retorno do capital encontrada, o empreendimento se pagaria em seis
anos, um recorde para os padrões brasileiros na época.
“Muito
comprido” – argumentaram eles – “nós não
investimos em nenhum projeto com retorno superior a três anos”. Essa era a
dinâmica dos Chineses. E estou falando da década dos oitenta.
Convivi
com Chineses em Singapura onde reinam soberanos. Diligentes, disciplinados,
eficientes em tudo, cuidadosos nos detalhes, prestativos e, além disso,
educados e gentis. E convivi com eles na Indonésia onde, em minoria étnica,
eram segregados, perseguidos e vítimas de todo o tipo de preconceito. Só para
dar uma ideia: Eu precisava ir a Bandung, cidade próxima a Jakarta, onde eu me encontrava, numa viagem de última
hora. Pedi a uma agência de turismo que
me reservasse acomodação num hotel de
Bandung. Meia hora depois veio a resposta: Impossível, todos os hotéis estão
lotados. Implorei, e depois de três ou quatro telefonemas desesperados veio uma
solução:
“Senhor,
todos os hotéis em Bandung estão lotados. Eu consegui um quarto num
“hotelzinho”, mas é chinês. O senhor vai querer assim
mesmo?
Essa
era a dimensão do preconceito que sofriam os chineses na Indonésia, naquela época.
Eu me
perdi em digressões porque minha intenção era falar da chegada dos chineses e
acabei deixando-me trair pelas memórias. E foi pelas memórias que descobri uma
verdadeira profecia sobre os chineses, lançada por Giovanni Papini, “o escritor
maldito”, que conheci na minha adolescência.
No
final de 1951 Papini concluía “O Livro
Negro” no qual o personagem Mr. Gog
apresenta a sua visão sobre o desenvolvimento da China. Nada mais atual, como
veremos. E, antes que o meu incauto leitor abandone a sua leitura, por maçante
que é, quero antecipar uma citação do que escreveu Papini:
“Os
Chineses serviram-se da república de Sun-Yat-Sen para se livrar dos parasitas
do velho império Manchú; serviram-se do bolchevismo
para se desfazer dos parasitas da
república burguesa; livrar-se-ão qualquer dia, sob uma bandeira escolhida por
comodidade, dos parasitas do comunismo” ... “A eles pertencerá, com o tempo, a
Terra.”
Através
de um colóquio travado numa suposta entrevista de Gog com o pensador chinês Lin
Yutang, Papini desvenda os meandros da cultura chinesa. Certamente nem todas as
palavras atribuídas a Yutang teriam sido proferidas por ele. Seriam frutos da interpretação que Papini
fazia da leitura do filósofo, do qual era um leitor apaixonado e voraz. No
imaginário colóquio, “e sem maiores
rodeios”, Lin Yutang começa a explicar:
- “O povo chinês é o mais perigoso que há
no mundo e, por isso, está destinado a dominar a terra. Por séculos e séculos
ficou fechado nos confins do imenso império porque acreditava que o resto do
planeta não tinha nenhuma importância. Mas os Europeus, e depois os Japoneses
abriram-lhes os olhos, os ouvidos e os espíritos. Quiseram à força arrancar-nos
do nosso covil e hão de pagar caro a sua cobiça e curiosidade. Há um século que
os Chineses esperam a vingança, e vingar-se-ão. A revolta dos Boxers, em 1900,
não foi senão a primeira tentativa, mal conduzida e mal sucedida. Mas o povo
chinês é astuto e paciente: escolheu outros caminhos. Em 1910 converteu-se à
democracia republicana; em 1948 ao comunismo. Na realidade os Chineses não são
conservadores, nem democráticos, nem comunistas. São simplesmente Chineses,
isto é, uma espécie humana à parte, que pretende viver e sobreviver, que se
multiplica e se deve expandir mais por necessidade biológica que por ideologia
política.”
“O povo
chinês é imortal, sempre igual a si mesmo, sob todas as dominações. Nem os Tártaros,
nem os Japoneses, nem os Americanos, nem os Russos conseguiram ou conseguirão
transformá-lo. Levará o tempo que for preciso mas o futuro a ele pertence”
É neste
ponto do colóquio, na verdade um suposto monólogo do filósofo chinês, que
aparecem as palavras mencionadas na citação que antecipei.
Os chineses
chegaram e é melhor recebê-los com simpatia. Por enquanto estamos preocupados apenas
com a economia. Dentro de pouco será com a cultura e com a etnia. Porque logo terá inicio a miscigenação e
então seremos uma nação afrosinodescendente. Com muito orgulho.