E já que é preciso mudar, mudemos. Começo descaradamente falando de mim mesmo como se eu fosse o epicentro dessa onda sísmica que chamei de Pandemonia, sem acento nem endereço. Confinado entre quatro paredes, tolhido nos movimentos do corpo pela vetustez da idade, só me resta escarafunchar os meandros da memória à espera de que uma lamparina me ilumine. Para que ? Para falar de mim mesmo ! Coisa feia, dizem uns. Concordo. Até Dante Alighieri criticou esse hábito pernicioso de incomodar os leitores. Então, vamos ao que conta.
Em Setembro último
aconteceu algo que me deixou perplexo e extremamente feliz. Minha filha Flávia
reuniu parentes e amigos para fazer-me uma surpresa: a edição, em livro de
verdade, das Memórias, aquelas do Vago que andava meio perdido no tempo e no
espaço.
E, quando menos espero, me vejo diante de uma bela encadernação. 345 páginas.
ISBN 978-40-0O65-86823-40-0
São livros ! Preciso
distribui-los. Começo a preparar a lista dos amigos. Mas, e os autógrafos ? Os autógrafos !
Vaidoso como um pavão, danei-me a disparar autógrafos como
se os meus incautos leitores não pudessem perceber a vaidade embutida. Aos mais
íntimos, escrevi palavras de carinho e incentivo. Aos demais, escancarei minha
alma com coisas do tipo “ao amigo . . . “ um pedaço da minha vida” ou “um pouco
de mim mesmo” ou “um pedaço de mim mesmo”.
Epa !!! A lamparina acendeu ! Já vi isso em algum lugar.
Corri para abrir o gigante livrinho do Sidarta, o Ribeiro. Estava lá, “PEDAÇO
DE MIM”. No artigo, o famoso biofísico trata das amputações que sofremos em
nosso corpo e suas consequências. Eu entendi, de pronto, o que isso queria dizer
pois, por volta dos 30 anos de idade, eu fui operado de apendicite. Durante a convalescência
eu sentia uma dor na barriga, o que é normal durante o período da cicatrização.
Mas essa dor voltou aparecer, esporadicamente, durante mais de um ano. Voltei
ao médico várias vezes e ele me dizia,
com ar filosofal, esticando a palavra e empinando as sobrancelhas : “ Remi...iniscê...ncias
...” e nunca me explicou que diabo era aquilo.
Ao tratar a amputação de partes do corpo, Sidarta explica: “Frequentemente,
as penas psicológicas e sociais da amputação vêm acompanhadas de uma dor mais
bruta, fruto da percepção fantasmagórica do pedaço perdido” . . . . . . . “Decepado de forma acidental, o membro leva
consigo terminais nervosos que não se se reconstituem no coto”.
E a mutilação da alma ? Dos sonhos decepados ? Dos amores destruídos ?
Dos desejos ceifados ? Conseguiria o cérebro
“transformar em dor a saudade do pedaço
que perdeu” , como diz o próprio Sidarta
?
Reminiscências . . . ! Dr. Evandro, médico cirurgião. Morava na Rua Manoel Borba, no Recife. Eu
morava numa pensão da Praça Maciel Pinheiro. Bons tempos aqueles.
Transformar em dor a saudade...
ResponderExcluirSim. A saudade dói.
Mas ouvi por aí: "Triste é não ter de quem sentir saudades"
Obrigado Anonimous. Voce tem razão. Essa frase é, no mínimo, consoladora.
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