18 setembro 2023

O PRESIDENTE EVENTUAL

 Republicado em 19 Novembro 2017

 

O  PRESIDENTE  EVENTUAL

 

Estou transcrevendo o texto original, que havia abandonado por medo estar ofendendo nossos juízes togados. Muitas vezes, quando tentamos fazer humor acabamos por ser grosseiros e, pior, cometendo ofensas a quem não as merece. Principalmente quando tratamos de forma genérica um grupo ou uma instituição,  como é o caso presente.

Mas, depois de ler o que pensam vários dos meus “colegas cronistas” da imprensa escrita - desculpem a minha presunção - tomei coragem e mandei ver. Quem sabe assim eu consiga   receber, pelo menos, um mísero comentário neste humilde e abandonado blog. Ou, glória suprema, a visita do Japonês da Federal.

 

Sou totalmente ignorante em matéria de política. Bem que tentei, no meu tempo de estudante, meter-me nas discussões, participar de comícios, opinar sobre isto e aquilo. Cheguei a ler Marx e Engels. Nada deu certo. Não demorei a entender que, com a cara e o nome que eu carregava, ninguém me levava a sério. Então, limitei-me a cuidar das minhas tapiocas.

Isso não quer dizer que não me interessasse pelos destinos do meu país e do seu comandante maior: o Presidente. Houve uma época em que eu lia três jornais todos os dias.: O “Correio da Manhã”, “O Jornal” e o “Jornal do Brasil”.

 

Ora, se deu que, em 1954, o Presidente se suicidou. Comoção geral. O povo foi às ruas, não para quebrar coisas como é comum em nossos dias, mas para prantear o seu Presidente. O lugar foi ocupado pelo seu herdeiro natural mas depois, seguiu-se uma longa discussão sobre se isso era legítimo ou não. Discussão da qual eu nada entendi.

Sucederam-se vários presidentes, sempre com muita discussão e muita briga. Entre os últimos, creio que ainda estávamos no século passado, teve um que se mandou sem dizer água vai. Alegou que havia forças ocultas que não o deixavam trabalhar. No lugar dele entrou seu herdeiro, que deu muito trabalho porque muita gente não gostava dele. Até houve um plebiscito para saber se o povo queria que ele ficasse como pau mandado, mas o povo disse que não.

 

Ele era muito querido pela população e fez um comício que ficou na História, o famoso comício da Central. Eu assisti a esse comício, não porque me interessasse por política, obviamente, mas porque eu desembarcara no aeroporto do Galeão, vindo de Montes Claros, e o motorista do taxi me comunicou que o trânsito estava bloqueado perto da Central do Brasil, por causa do comício. Já que eu não podia chegar ao hotel, pedi ao motorista que me deixasse perto do comício. E lá fiquei eu, em pé, bem próximo ao palanque, ouvindo os discursos. Foram muitos discursos. Quando tudo acabou eu, leigo que sou, disse pra mim mesmo: “Isso não vai acabar bem”.

 

 Porque de repente chegou um pessoal saído dos quarteis, metralhadora na mão, dizendo : “agora quem escolhe presidente é a gente”. E assim foi por muitos anos. Quando eles se cansaram de escolher presidentes, entregaram o trono a um civil dizendo:  “daqui pra frente é com vocês”.

Aí, não sei bem como, foi escolhido um novo presidente. Então, aconteceu um novo infortúnio:  Antes mesmo de tomar posse esse presidente adoeceu e foi levado para um hospital. Foi empossado lá mesmo e, no dia seguinte, veio a falecer.

Foi substituído pelo seu eventual, um nordestino tranquilo, de bigode imponente, o qual, findo o mandato, passou o cargo para outro nordestino, eleito pelo povo. Este não era nada tranquilo, ao contrário, era brabo e saiu brigando com todo o mundo. Além de brabo, era meio tan-tan  pois saiu catando o dinheiro de todo o mundo com a promessa de que iria devolver tudo depois, e com lucro. Não sei se ele devolveu mesmo porque, no meu banco, eu só tinha boletos de contas  que eram pagas com o suor do meu rosto.

Disseram também que entre as patifarias que praticou, este jovem presidente havia recebido um regalo considerado muito suspeito: Uma Fiat Elba,  zero quilômetro.  Um vexame!

Então resolveram tirá-lo, e eu nem sei bem como isso foi feito, porque, nessa altura, eu já andava tão cansado que parei de ler jornais e fui cuidar do meu reumatismo.

 

E aí veio um período tranquilo em que os presidentes, todos eleitos pelo povo, passaram a trabalhar com grande empenho, embora nem todos agradassem a todo mundo, fosse quem fosse o presidente. Normal, porque isso é próprio do sistema democrático. Pelo menos foi isso que pensei porque eu, leigo total em política, andava cuidando apenas do meu laburo. Pois não é que, de novo, resolveram tirar o Presidente da vez? Acharam que este Presidente, mais exatamente, uma Presidenta, estava trabalhando mal e resolveram mandá-la embora. Isto, para muitos, foi considerado um golpe. O fato é que no seu lugar entrou o seu substituto eventual, tudo dentro da lei, segundo diziam os jornais, o que, obviamente, não correspondeu à opinião daqueles que o consideraram   golpista.  Pois agora, golpista ou não, estão dizendo que este é igualzinho ou pior do que anterior e, por isto, vão mandá-lo embora também. Até aí eu entendo. Mas ficou-me uma dúvida.

 

 Já expliquei que, em matéria de política, sou completamente leigo mas, que diabos, leigo também tem alma! Pois agora vou dar minha opinião de leigo e pouco me importa se me internarem num manicômio. Porque achei  esquisita  a  maneira como tudo isto está sendo feito.

Acontece que, fosse lá por que motivo fosse, atribuíram, esta tarefa a um dos Poderes da República: o Poder Judiciário. O Judiciário é formado por vários Tribunais, cada um identificado com uma sigla própria. Não sei se existe diferença hierárquica entre eles, tipo, um pai e muitos filhos, sendo o Tribunal filho um complemento do Tribunal pai, ao qual deve dar satisfação das maldades  que pratica, o que faria deste o Judiciário de verdade, a menos que o filho, quando menor, tenha sido emancipado pelo pai, não precisando, assim,  dar satisfações ao pai. Não importa, até aqui tudo bem, sabendo que o Tribunal filho que está no jogo é aquele que cuida das eleições.  

 

Tudo bem, mas nem tanto. Porque agora acabo de descobrir que os Juízes dos Tribunais, tanto o pai como o filho, são nomeados pelo Presidente da República, e a ele, é de se esperar, devem fidelidade. Podemos dizer que um juiz é um Juiz e que ele está acima dos interesses terrenos, portanto é imparcial. Ótimo. É assim que deve ser.

 

Mas aqui entra uma grande confusão. Alguns juízes pertencem simultaneamente a um Tribunal Filho e a um Tribunal Pai. Outros, só ao Pai. Tem mais: alguns juízes foram nomeados pelo presidente escorraçado, outros pelo presidente que chegou ao cargo por herança. Será difícil conseguir coerência nesse caleidoscópio de interesses. Prova disso são as suas reuniões longas e patéticas, enfeitadas por salamaleques e enriquecidas por elogios recíprocos, datas vênias, ipsis verbis, causa finita, ad perpetuam rei memoriam ... isto para não mencionar os floreios de linguagem jurídica, repetidos à exaustão para que se tornem válidos, nem os arroubos de histeria dignos de uma prima donna contrariada, para dominar o palco e comover os colegas e o público. Afinal os Juízes, ainda que cobertos pelo manto sagrado da toga, são seres humanos.

 

Alguma coisa está errada. No centro dessa discussão está a definição de quem é o autêntico presidente: se aquele que foi eleito pelo povo ou aquele que ocupa o posto por herança. Ou nenhum dos dois. E quem vai resolver isso são os Juízes indicados pelos Presidentes envolvidos. Ora, esses juízes não foram escolhidos pelo povo como acontece com os presidentes. Decididamente, alguma coisa está errada. É preciso inverter essa coisa: o povo é que deve escolher os juízes. E os juízes indicarão o presidente.

 

Com uma condição: os juízes removeriam aquele medonho manto fúnebre seriam reincorporados à espécie humana.    ABSIT  INJURIA  VERBIS.

 

Nota bene: Transcrevo o parágrafo introdutório do artigo publicado pelo mestre Nelson Mota no O Globo de 16 de Junho de 2017, na página dos editoriais:

“ Há juízes bons e maus, preparados e incompetentes, burros e inteligentes, honestos e desonestos, embora todos, ou quase, se considerem num patamar  acima do cidadão comum, pelo poder de decidir a vida e a morte de quem transgride  a lei.”

 

 

 

 

 

15 setembro 2023

EM SILÊNCIO

 EM SILÊNCIO

Eu tive, na minha vida, duas oportunidades para viver o silêncio absoluto, o “voto de silêncio”. Era jovem, andava pelos 14 anos, morava no Recife e andava muito apegado à Igreja Católica.  Passada a praia de Boa Viagem estendia-se um areal denominado Praia da Piedade. Ali havia um Convento de Frades, creio que Dominicanos, bem ao longo da beira mar.

Durante a Semana Santa, o Convento oferecia um retiro espiritual.

Entrávamos na segunda feira e saíamos depois do Domingo de Páscoa.  Aderi imediatamente.

*A outra experiencia foi a permanência por um ano em um sítio no município de Amparo, em Nova Friburgo sem luz, sem jornal, sem telefone sem vizinhos.

O local era fascinante. Além das práticas religiosas podíamos tomar banho na praia sempre que houvesse um intervalo e sob vigilância de um sacerdote. Havia, porém, uma regra pétrea :  O silêncio. Ninguém podia falar. Nem mesmo os frades, entre si, exceto quando proferiam o sermão do dia ou as orações de rotina. A partir da terça feira, iniciava-se o jejum. A comida era reduzida, dia a dia, até transformar-se, na Sexta Feira Santa, em meia batatinha cozida. Na água. E sem sal.

O que aprendi nesse retiro vale mais do que anos de aprendizado acadêmico. Mais do que palestras de psiquiatras e psicólogos. E saibam que desde esta experiencia até hoje passaram-se 81 anos.

Fuja da verborragia. Não massacre seus amigos com bolodórios e arengas enfadonhas. Pense em silencio. E viva tranquilo.