INTRODUÇÃO
Devo o título desta crônica à Dra. Ivone Raphael. A Dra. Ivone era a Oftalmologista que, em tempos idos, cuidava dos meus olhos para que eu pudesse ver melhor e agora cuida do que eu vejo para ter certeza de que é o melhor. E assim fixamos um pacto. Sem lenço e sem documentos.
Ora se deu que, um dia, não me lembro quando, nem onde, eu contei que num daqueles jantares faraônicos que tínhamos com os sócios japoneses na Fabrica de Tecidos Seridó eu havia mostrado meu cartão de visitas à Gueixa que me acompanhava. Naquela época quem não tivesse um cartão de visitas no Japão, não existia. No meu cartão constava o meu nome, endereço e a função. No verso eu havia mandado imprimir os mesmos dados em japonês. Quando a Gueixa leu o cartão exclamou: Ah ... homem que faz pano, né ?Soube depois que Ivone, ao saber desse fato, cabeça baixa e meditativa, sussurrou : “homem que faz pano. Eis aí um belo nome para uma crônica”.
E aqui está ela. Porque panos fiz muitos. E montei máquinas para fazê-los. E construí fábricas para abrigá-las. E efetuei estudos de viabilidade para implantação de parques industriais têxteis.
No ano de 1948 eu recebia o Prêmio Nilo Peçanha conferido pela Escola Técnica do Recife. Havia concluído o curso de Mecânica de Máquinas. Viajei para o Rio de Janeiro e disputei, com suor e lagrimas, uma vaga na Escola Técnica Federal de Indústria Química e Têxtil, com alojamento na própria escola. Tudo grátis. Eu tinha onde morar ! Meu pai me mandava uns trocados suficientes para cortar o cabelo e pegar um cineminha na Rua D. Pedro onde eu assistia filmes do neorrealismo italiano. Com isso eu ia, aos poucos, substituindo o meu dialeto nativo pelo verdadeiro idioma Toscano. Um garoto feliz. Quero dizer, felizardo.
Em 1951 completei o curso. Era um técnico têxtil. Terminadas as férias eu já conseguia um emprego. Fui nomeado professor adjunto para o Departamento de Fiação na própria escola onde me formara. A minha primeira carteira profissional consigna a data de admissão : 1 de Maio de 1952. Dia do Trabalho! E assim, comecei fazendo fios. O panos viriam em seguida.
Dois anos depois vieram as fabricas. Fábrica Itatiaia de Tecidos. Estrada do Morro do Ar, sem número, Itatiaia, Rio de Janeiro, Fim do Mundo. Mais dois anos e um salto consagrador: Fábrica Bangu, a melhor fabrica do país. Fio 120, o melhor organdi do mundo, desfiles de moda em Paris, residência em casa da fábrica, desfile de motocicleta no campo de futebol para a apresentação do time nos dias de jogo. E tudo para que ? Fazer pano O melhor pana do Brasil.
Depois, um salto no espaço. Teresina PI. Aqui é melhor ler a crônica Velho Santiago . . . e ir se familiarizando com o Nordeste, a caatinga, o meu amigo Severino Mandacaru. Para que? Fazer pano. Porque em seguida viria a Sudene e seu Programa de Reequipamento da Indústria Têxtil do Nordeste concebido por Celso Furtado. Elaboração de dezenas de projetos de modernização de fábricas. Visita a todas elas, discussão com os empresários e fabricantes de máquinas, familiarização com os problemas sociais do Nordeste, a miséria do Pirambu, em Fortaleza. E tome pano.
Mas a lista é longa. Quatro anos na Comissão Econômica Para a América Latina escrevendo estudos sobre tecnologia têxtil, cinco anos como consultor da Organização das Nações Unidas Para o Desenvolvimento Industrial. Missões na América Central, Tailândia, Indonésia, Filipinas, Cingapura. E, para coroar, a Fábrica de Tecidos Seridó, em Natal, Rio Grande do Norte, construída em associação com a Shikishima Spinnining Company, que me levou ao Japão inúmeras vezes e me permitiu produzir os melhores panos deste país.
Haja pano.
E que panos!!
ResponderExcluirEntre tantas histórias de projetos, posturas e atitudes gosto daquela que pediram para você modificar um método de tingimento dos fios para baratear um pouco o projeto e quando os japoneses analisaram o projeto pediram, sem saber que havia sido modificado, que fosse alterado justamente para o processo original que você havia proposto. Não sei se acertei bem os atores.
Dos jantares japoneses com os empresários lembro quando o garçom, percebendo que você comia (roubava) os enfeites (alface e outras folhas) que ornamentavam as travessas onde serviam as carnes e etc, reforçou a ornamentação.
Tudo isso a partir de muito pano.
Obrigado pela sua contribuição, Fernando. Efetivamente foi o que aconteceU. O projeto que eu havia feito para a Seridó foi submetido a uma auditoria técnica pela Gherzi, uma empresa Suissa de construção de fábricas "chave na mão". A Gherzi não só aprovou o projeto como o elogiou e, posteriormente, convidou-me para trabalhar com eles na Suissa. Como contribuiçao propuzeram a modificaçao que você comentou no seu comentário. Essa alteração não foi aprovada pelos sócios japoneses, que preferiram a original.
ResponderExcluirAgora é oficial: nada mais justo que mudar o seu nome na lista contatos para “O Homem que fazia panos”… e panetones… piadinas e piadinhas sem fim, nunca podendo esquecer de quando se tornou o Rei das babosas! Não sei como seu cartão de visita não vem no tamanho A4
ResponderExcluirBem vinda Thais, ao mundo dos blogados. Obrigado pelo seu comentário. Atendendo ao seu apelo eu gostaria de acrescentar minhas tapiocas e o bolo de Natal Tropical, feito de massa puba, aquela macaxeira fermentada que o Severino Mandacaru plantava lá em Cabaceiras. Um abraço carinhoso do Gino.
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